terça-feira, 17 de maio de 2011

PERFIL – LUIZA ERUNDINA

Por Débora Prado – Revista Caros Amigos

Foto: Agência Câmara
MULHER, TRABALHADORA, NORDESTINA, SOLTEIRA E POLÍTICA DE ESQUERDA  

Uiraúna é um pequeno município no sertão semiárido paraibano. Distante quase 500 Km da capital do Estado, João Pessoa, não chega a ter 15 mil habitantes hoje em dia. Para os moradores da grande metrópole brasileira, é difícil imaginar que de lá saiu a primeira prefeita declaradamente de esquerda eleita em São Paulo: Luiza Erundina de Sousa. Mulher, solteira, nordestina e socialista, não foram poucos os tabus enfrentados para ser eleita em 1988 pelo Partido dos Trabalhadores (PT), realizando um mandato que marcou a história da cidade por sua ligação com os movimentos populares e pelos paradigmas de gestão democrática.
Erundina nasceu mesmo antes da pequena cidade. No dia 30 de novembro de 1934 se tornou a sétima entre dez irmãos de uma família que vivia na periferia do povoado de Belém do Rio do Peixe, que somente mais tarde, em 1953, ganharia o status de cidade de Uiraúna. Trabalhou desde muito cedo, ajudando o pai, artesão de couro e trabalhador do campo, e a mãe, que vendia quitutes na feira local. Para ela, o período foi decisivo:
- Com certeza, minha inclinação de ir para política nasceu deste começo, da origem de classes. As condições de vida, o sofrimento, não só da minha família, mas da maioria dos que viviam naquela comunidade me marcaram profundamente. Desde a juventude tomei consciência de uma realidade injusta que deveria ser mudada e tomei o caminho da ação coletiva. Tanto é que lutei contra padrões das mulheres da minha geração, que eram impelidas a casar muito cedo, ter filhos e ficar no âmbito doméstico, reproduzindo aquele modelo opressor.
O instrumento escolhido por Erundina para superar as condições colocadas foi estudar. No povoado, estudou o quanto pode. Aos 14 anos, foi obrigada a se mudar para Patos, onde havia o ginásio - etapa escolar ainda inexistente em Belém do Rio do Peixe. Com apreço pela educação, se formou assistente social na Universidade Federal da Paraíba, em 1967.
Naqueles tempos, o Brasil já sofria com a mão de ferro da Ditadura Militar. Erundina foi uma entre os milhares de brasileiros que foram perseguidos. O motivo: seu trabalho junto aos camponeses e setores progressistas da igreja na luta pela reforma agrária e, claro, a oposição ao golpe.
- Tive que sair da Paraíba. Naquele tempo, quem trabalhasse com o povo, sobretudo em torno da questão da terra, era considerado suspeito, subversivo e, portanto, perseguido.
Com a opressão do regime, Erundina entrou mais uma vez para as estatísticas: se somou aos migrantes que rumam a São Paulo. Rompeu um novo tabu: fez mestrado na USP, se tornando a primeira mulher mestranda da Paraíba. Mas, não foi por seus louros acadêmicos que Erundina se tornou figura pública. Foi por sua ligação com os movimentos populares. Professora e assistente social, na metrópole ela dedicou sua atuação às favelas e cortiços. Aprovada num concurso para a Secretaria do Bem-Estar Social da prefeitura paulistana, ela passou a trabalhar com os movimentos de periferia que reivindicavam o direito a moradia:
- Quando eu fui obrigada a vir para São Paulo, vim com a sensação de ter deixado a luta para trás. Só que chegando aqui me dei conta que os trabalhadores não eram exatamente os mesmos, mas também sofriam com a política agrária. Eram trabalhadores que viviam no campo e foram obrigados a migrar, fugindo das condições de vida que tinham lá, não só pela seca, mas pela falta de oportunidade de trabalho. A mão de obra excedente migrava para os grandes centros urbanos, como ainda hoje migra, mas naquela época numa intensidade maior. E, quando chegavam lá, acabavam indo para as favelas e cortiços, seguiam marginalizados e sem condições de sobrevivência, ocupando os espaços vazios da cidade. E de novo a questão da terra estava colocada, só que agora da terra urbana.
Na década de 1970, Erundina começou também a desenvolver um trabalho sindical junto aos profissionais do serviço social. Por sua referência na categoria, foi convidada pelo próprio Lula para fundar o PT.
No PT, em 1988, Erundina venceu Plínio Arruda Sampaio na prévia para escolha do candidato a prefeitura em São Paulo. Saiu candidata no mesmo ano. De virada, derrotou a oligarquia política, derrotando nomes como Paulo Maluf (PDS) e José Serra (PSDB). De herança, ganhou a dívida social e financeira deixada por seu antecessor, Jânio Quadros.
O economista Odilon Guedes classifica o mandato de Erundina como bastante positivo: “ela encontrou uma situação muito difícil na prefeitura e, ao mesmo tempo, houve uma enorme má vontade da grande imprensa por ela ser mulher, nordestina e de esquerda. E apesar disso, ela parou as grandes obras que o Jânio tinha começado, convidou figuras competentes e honestas para serem secretários, como o Paulo Freire na educação, Amir Khair nas finanças, Ermínia Maricato na habitação e por aí vai. E o mais importante: ela sempre teve em minoria na Câmara e mesmo assim governou. Não fez as concessões que o PT posteriormente veio a fazer, não aderiu às alianças, à política da governabilidade, e fez um bom mandato”.
Para ela, a prefeitura foi um grande desafio, mas com um legado importante:
- Sofri muito preconceito, discriminação, perseguição, ameaças de atentados com bombas, boicote de fornecedores da Prefeitura, perseguição do Tribunal de Contas. Mas, conquistamos a independência, governei quatro anos com minoria na Câmara, numa conjuntura de inflação de cerca de 80%, desemprego em massa, arrocho salarial, e uma dívida deixada pela administração anterior. Foi realmente um enorme desafio. Mas, conseguimos fazer uma boa administração, marcada pela competência da equipe, por uma linha de atuação que priorizava o social e por um modelo de gestão mais democrático, transparente e participativo.
Apesar da forte referência no PT, Erundina foi uma das primeiras figuras de esquerda a deixar o partido, muito antes de se pensar em ‘crise do mensalão’. No processo de impeachment de Fernando Collor, ela decidiu compor o governo de transição de Itamar Franco e, por isso, foi desligada do PT numa saída traumática. Atualmente, no seu quarto mandato como Deputada Federal pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB), Erundina enfrenta contradições, mas segue acreditando na luta:
- O sistema político - partidário e eleitoral – está esgotado, os mandatos enfrentam dificuldades por isso. Desde que chegamos ao Congresso, buscamos lutar pela reforma política, mas não só por mudanças pontuais, e sim uma transformação que revolucione o sistema no sentido de torná-lo mais transparente, ético, democrático, com o fortalecimento os partidos, a exigência que eles tenham projeto político e identidade programática bem demarcados, que não sejam meras legendas para disputar eleições.
Débora Prado

2 comentários:

  1. Como fico feliz com sua coerencia de pensamento e de atos. Parabens Grande honra para seus conterraneos e orgulho para todo Brasil Abs Mgdala

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