Artigo publicado no AE Broadcast [Grupo
Estado] em 02/12
Em
ato solene, no dia 18 último, no Palácio do Planalto, em Brasília (DF), a
presidente da República, Dilma Roussef, sancionou a lei que cria a Comissão
Nacional da Verdade aprovada pelo Congresso Nacional, nos termos em que queria
o governo e fora acordado com as Forças Armadas que continuam a monitorar os
Poderes da República.
Mesmo
limitada em suas pretensões, a criação da Comissão da Verdade deixou os
comandantes militares contrariados, como transpareceu durante solenidade de
sanção da lei, quando, para não constrangê-los, negaram a palavra a uma representante
dos familiares presentes.
A
lei aprovada também desagradou aos familiares das vítimas da ditadura e
organizações de direitos humanos que tiveram suas propostas de alteração do
projeto rejeitadas durante sua discussão, votação e aprovação na Câmara dos
Deputados e confirmada, na íntegra, pelo Senado Federal. Reivindicavam a
modificação de pontos que, avaliam, poderão comprometer os resultados esperados
de uma autêntica Comissão da Verdade. Destacam: o longo período a ser
investigado (1946-1985); dois anos apenas de duração; com somente sete membros;
de exclusiva escolha da Presidente da República, e poderá ter a participação de
militar; e sem autonomia financeira.
Criticam,
sobretudo, o fato da Comissão não ter o poder de levar à justiça os que
cometeram crimes de lesa humanidade, em razão de que a Lei da Anistia de 1979,
ratificada em 2010 pelo Supremo Tribunal Federal (STF), beneficia e protege os
que, em nome do Estado, torturaram, assassinaram e desapareceram com opositores
do regime.
Coincidentemente,
no mesmo dia em que a Lei foi aprovada, no Senado Federal, a Justiça na
Argentina condenou 18 militares (alguns de alta patente) por crimes de graves
violações aos direitos humanos cometidos durante a ditadura militar naquele país.
Também na mesma data o parlamento do Uruguai aprovou uma lei que torna
imprescritíveis os crimes contra a humanidade praticados nos anos do regime
ditatorial no país. Esses fatos demonstraram que o Brasil, em termos de
direitos humanos, anda na contramão da história.
Em
2010, a Corte Interamericana de Direitos Humanos (OEA), ao julgar o caso da
guerrilha do Araguaia, decidiu pela “incompatibilidade das anistias, relativas
a graves violações de direitos humanos, com o direito internacional”, ou seja,
a Lei brasileira da Anistia, de 1979, afetou o dever do Estado de investigar e
punir os responsáveis por esses crimes.
Face
a essa decisão, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) solicitou ao Supremo
Tribunal Federal (STF) em 2001, que definisse se o Brasil deve ou não cumprir a
decisão da Corte quanto à Lei da Anistia e questionava se a lei de fato anistia
agentes do Estado que cometeram crimes de lesa humanidade durante o regime
militar. O STF decidiu manter a interpretação atual da Lei 6.683 e impedir que
os responsáveis por esses crimes sejam processados, julgados e punidos.
O
relator do processo deu parecer contrário à revisão da lei de Anistia, alegando
que a mesma teria sido “amplamente negociada”. Convém lembrar, no entanto, as
condições em que tal acordo se deu. Os militares, embora politicamente derrotados,
mantinham o controle do poder e a sociedade civil dava os primeiros passos na
redemocratização do país.
Como
deputada federal e entendendo a premência da revisão da Lei da Anistia para que
os responsáveis pelos crimes da ditadura militar não fiquem impunes, apresentei
Projeto de Lei que dá interpretação autêntica ao que dispõe a Lei 6.683/1979. O
mesmo foi rejeitado pela Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional da
Câmara dos Deputados, cumprindo ordens expressas do Planalto, e aguarda votação
na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania onde, certamente,
funcionará o rolo compressor do governo para que também ali seja rejeitado.
Após
longa e penosa espera dos que lutam para que a verdade histórica sobre os
crimes da ditadura no Brasil seja revelada e os responsáveis punidos, como
outros países o fizeram, é frustrante o que se conseguiu até agora e, pior, não
se tem grande expectativa quanto aos resultados da Comissão da Verdade a ser
instalada, pois, mesmo se vier a identificar os criminosos, não terá como
puni-los por já estarem anistiados, a menos que se aprove o projeto de lei que
dá nova interpretação à Lei da Anistia.
Chegou,
enfim, a hora do Brasil passar a limpo o seu passado recente; corrigir os rumos
da sua história e fazer justiça aos que pagaram com exílio, tortura, morte e
desaparecimentos forçados a democracia que temos hoje.
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