*Por Marcos Prado - portal IG em 28/03/2012
Cartunista deu aos brasileiros lições de autonomia, contestação, espírito democrático, senso crítico e amor à vida
Estava no Rio de Janeiro, com outra pauta na cabeça e procurando algum lugar em que eu pudesse escrever, quando ouvi as primeiras notícias sobre a morte de Millôr Fernandes. Tive duas reações imediatas: uma foi de ligar para o Ivan, filho do cartunista Henfil; a outra foi lembrar Paulo Freire.
Paulo Freire foi secretário de Educação da cidade de São Paulo no governo da mulher, nordestina, paraibana, assistente social, militante dos movimentos populares, Luiza Erundina. Nesta eleição nem a ‘iniciante’ cúpula de seu partido tinha apoiado Erundina de primeira hora, mas ela, contra todos os prognósticos, venceu as prévias e depois as eleições.
Paulo Freire falava, aos quatro cantos, que Erundina era, antes de tudo, até mesmo que política, uma educadora. Uma educadora política. E é nos termos de Paulo Freire que digo: Millôr Fernandes foi e continuará sendo, acima de tudo, um educador.
Com Millôr, e outros cartunistas, eu e milhões de outros brasileiros fomos educados para a autonomia, para a contestação, para o espírito democrático, para a participação política, para o senso crítico, para o amor ao Brasil, para a vida. Millôr, com seus traços e textos, fazia muito mais do que a gente rir. Millôr fazia as pessoas pensarem e gostarem do conhecimento e da análise crítica.
Sem medo de errar afirmo que Millôr, Henfil, Veríssimo, Fernando Sabino e tantos outros fizeram mais pela educação de várias gerações do que a maioria das escolas. Enquanto as escolas optaram pelo ensino, deixando a educação de lado, fomos sendo educados pela vida, pela sociedade, pelas nossas relações.
A Argentina foi um país que conseguiu entender isso e valoriza muito Quino, o ‘pai’ da Mafalda. Em toda a Argentina, Mafalda, personagem de Quino, pode ser encontrada em livros, roupas, objetos, cartazes, sites, jornais, etc. No Brasil parece que ainda não entendemos isso. Já perdemos Henfil, outro gênio do humor e da educação contestadora. E a cada nova geração se perde mais a sua lembrança. Não vemos a Graúna, ou o Fradim, personagens do Henfil, em todo canto do Brasil, como ocorre com a Mafalda na Argentina. Agora se vai outro gênio, Millôr. E nós, brasileiros, como deixaremos vivo seu pensamento, sua obra? Como possibilitaremos que as novas gerações tenham contato com o melhor que o humor brasileiro já produziu? Cometeremos o mesmo erro que cometemos com o Henfil?
Vai Millôr. Vai tranquilo. Nós, educadores, sentiremos muito a sua falta, mas sabemos o quanto você foi importante para a nossa formação e de boa parte de nossos educandos. Vai com a certeza de que “se isso tudo não foi um pesadelo, este país vai mal”. Vai sabendo que você deixou mais fácil a vida de muita gente, pois seus textos sempre ensinaram que “viver é desenhar sem borracha”, e teve quem quis fazer melhor. Vai encontrar o Henfil e dar ao Céu o ‘Pasquim’. Vai em paz. Aqui na Terra lamentamos a falta de herdeiros intelectuais para ocupar seu espaço na educação das novas gerações.
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