*Fonte: Jonal do Comércio de Porto Alegre - 9 de abril de 2012 / Foto: Jornal do Comércio
A deputada federal Luiza Erundina (PSB-SP) acompanha há décadas a situação das famílias que buscam informações sobre parentes mortos ou desaparecidos na ditadura militar. Como prefeita
de São Paulo (1989-1993), iniciou as investigações dos casos de opositores do regime militar que foram enterrados em valas comuns de cemitérios da capital paulista. Desde o ano passado, a parlamentar vem exigindo do governo federal a instalação da Comissão da Verdade, que irá investigar violações de direitos humanos cometidas entre 1946 e 1988. Apesar de reconhecer os esforços da presidente Dilma Rousseff (PT) em constituir o colegiado, Erundina reclama da demora da petista em nomear os integrantes que vão compor o órgão técnico.
De acordo com a deputada, que esteve em visita a Porto Alegre para um seminário sobre direitos humanos, o envolvimento da sociedade será fundamental para sustentar e alavancar a atuação do grupo que deverá investigar crimes cometidos pelo Estado, especialmente após o golpe de 1964. “O que está faltando é força política, de baixo para cima, para que as coisas aconteçam no âmbito do governo”, avaliou.
Erundina atualmente preside uma subcomissão da Câmara dos Deputados que tem o objetivo de
acompanhar os trabalhos da Comissão da Verdade. “O Congresso é um dos Poderes do Estado e não
pode ficar simplesmente assistindo àquilo que vier a acontecer.”
de São Paulo (1989-1993), iniciou as investigações dos casos de opositores do regime militar que foram enterrados em valas comuns de cemitérios da capital paulista. Desde o ano passado, a parlamentar vem exigindo do governo federal a instalação da Comissão da Verdade, que irá investigar violações de direitos humanos cometidas entre 1946 e 1988. Apesar de reconhecer os esforços da presidente Dilma Rousseff (PT) em constituir o colegiado, Erundina reclama da demora da petista em nomear os integrantes que vão compor o órgão técnico.
De acordo com a deputada, que esteve em visita a Porto Alegre para um seminário sobre direitos humanos, o envolvimento da sociedade será fundamental para sustentar e alavancar a atuação do grupo que deverá investigar crimes cometidos pelo Estado, especialmente após o golpe de 1964. “O que está faltando é força política, de baixo para cima, para que as coisas aconteçam no âmbito do governo”, avaliou.
Erundina atualmente preside uma subcomissão da Câmara dos Deputados que tem o objetivo de
acompanhar os trabalhos da Comissão da Verdade. “O Congresso é um dos Poderes do Estado e não
pode ficar simplesmente assistindo àquilo que vier a acontecer.”
Jornal do Comércio - O que está faltando para ser instituída a Comissão da Verdade no Brasil?
Luiza Erundina - Acho que falta envolvimento da sociedade para criar força política. É por isso que
no Congresso, na Câmara dos Deputados, estamos criando um mecanismo que é uma subcomissão
parlamentar chamada Memória, Verdade e Justiça, e acabamos de lançar uma rede nacional com as
Assembleias Legislativas criando esse mesmo mecanismo. A partir daí, vamos iniciar um trabalho de
investigação, de oitiva com pessoas ligadas àquele período da ditadura militar, tanto vítimas quanto atores da repressão política.
Luiza Erundina - Acho que falta envolvimento da sociedade para criar força política. É por isso que
no Congresso, na Câmara dos Deputados, estamos criando um mecanismo que é uma subcomissão
parlamentar chamada Memória, Verdade e Justiça, e acabamos de lançar uma rede nacional com as
Assembleias Legislativas criando esse mesmo mecanismo. A partir daí, vamos iniciar um trabalho de
investigação, de oitiva com pessoas ligadas àquele período da ditadura militar, tanto vítimas quanto atores da repressão política.
JC - Que atividades esta subcomissão irá realizar na Câmara?
Erundina - Vamos buscar acervos de documentos, fazer diligências se for necessário, e teremos uma rede em cada estado a partir dessas comissões legislativas que estão articuladas e isso vai criar uma onda que se soma ao movimento dos estudantes e da juventude que já estão se manifestando. É a partir dessa pressão organizada e politizada da sociedade civil que se terá mais voz para pressionar o governo e dizer que já está passando da hora, faz quatro meses que a lei foi promulgada e até agora não foram indicados os nomes. Estamos antecipando e vamos pressionar e, ao mesmo tempo, fiscalizar, acompanhar e complementar aquilo que a Comissão irá fazer. Acho que o que está faltando é força política, de baixo para cima, para que as coisas aconteçam no âmbito do governo.
Erundina - Vamos buscar acervos de documentos, fazer diligências se for necessário, e teremos uma rede em cada estado a partir dessas comissões legislativas que estão articuladas e isso vai criar uma onda que se soma ao movimento dos estudantes e da juventude que já estão se manifestando. É a partir dessa pressão organizada e politizada da sociedade civil que se terá mais voz para pressionar o governo e dizer que já está passando da hora, faz quatro meses que a lei foi promulgada e até agora não foram indicados os nomes. Estamos antecipando e vamos pressionar e, ao mesmo tempo, fiscalizar, acompanhar e complementar aquilo que a Comissão irá fazer. Acho que o que está faltando é força política, de baixo para cima, para que as coisas aconteçam no âmbito do governo.
JC - O trabalho desta subcomissão na Câmara dos Deputados não pode anular ou prejudicar a Comissão da Verdade?
Erundina - Não, acredito que ela vai ser complementar. Não pretendemos concorrer e nem temos condições de concorrer, com a Comissão oficial, criada por lei. Mas estamos usando as nossas prerrogativas no âmbito do Congresso, que também, de certa forma, foi cúmplice dos crimes da ditadura naquele momento, mas também foi vítima. O Congresso foi fechado mais de uma vez, tivemos parlamentares cassados e que desapareceram, como o ex-deputado Rubem Paiva. Portanto, é um dos Poderes do Estado e não pode ficar simplesmente assistindo àquilo que vier a
acontecer no âmbito da Comissão Nacional da Verdade.
Erundina - Não, acredito que ela vai ser complementar. Não pretendemos concorrer e nem temos condições de concorrer, com a Comissão oficial, criada por lei. Mas estamos usando as nossas prerrogativas no âmbito do Congresso, que também, de certa forma, foi cúmplice dos crimes da ditadura naquele momento, mas também foi vítima. O Congresso foi fechado mais de uma vez, tivemos parlamentares cassados e que desapareceram, como o ex-deputado Rubem Paiva. Portanto, é um dos Poderes do Estado e não pode ficar simplesmente assistindo àquilo que vier a
acontecer no âmbito da Comissão Nacional da Verdade.
JC – Por que está havendo tanta demora na instalação da Comissão da Verdade?
Erundina - Isso é difícil saber, mas certamente a presidente Dilma Rousseff (PT) deve estar sofrendo pressões. De qualquer forma, não podemos achar que a presidente deva ser sensível a elas, ela é a chefe das Forças Armadas, tem uma popularidade imensa e o momento é esse de ela fazer valer as suas prerrogativas, a delegação que o povo lhe conferiu nas urnas. Ainda mais agora, que ela tem que implantar e executar uma lei que foi aprovada. Dilma tem todas as condições para fazer valer o seu poder, a sua determinação e força porque ela vai ter o respaldo de grande parte da sociedade e do Congresso Nacional. Por isso, estamos nos mobilizando para criar essa força política para que ela se sinta apoiada e fortalecida e vá em frente. O momento é esse, ou se faz isso agora ou talvez depois seja tarde para que se cumpra esse desejo da sociedade.
JC - A Comissão da Verdade conseguirá abrir os arquivos secretos da ditadura militar?
Erundina - Ela terá que fazer isso, tem prerrogativa para isso. Se não o fizer, para que então foi criada? Muitos fatos já são conhecidos por trabalho e colaboração dos próprios familiares, dos militantes dos direitos humanos. Várias publicações que o próprio governo, através da Secretaria Nacional de Direitos Humanos, já lançou, veio por contribuição do trabalho dos familiares. Se essas pessoas, com as dificuldades que têm, conseguiram levantar tanta informação, a Comissão Nacional da Verdade que foi criada justamente para isso terá que fazer muito melhor. Se ficarmos ouvindo as mesmas pessoas falando dos mesmos dados que já são conhecidos, não se acrescenta nada; então temos que pesquisar, sobretudo, nos arquivos das Forças Armadas, que ainda estão intactos e não vieram à luz. Eles devem saber inclusive, e de ser cobrado, por exemplo, onde estão enterrados os
ossos dos desaparecidos políticos. Por isso, a comissão precisa ter muita altivez, muita coragem e muito respaldo da sociedade para poder bancar iniciativas como essa.
JC - A pressão militar pode atrapalhar os trabalhos da comissão?
Erundina - Claro, eles não têm nenhum interesse em trazer a verdade e eles vão estrebuchar, mas
fica mais no nível dos que já estão na reserva, que são os generais aposentados e afastados da ativa.
Eu não acredito que os generais e oficiais das Forças Armadas hoje queiram assumir o compromisso
por esses crimes de 40 anos atrás, e tem que se fazer uma diferença. A oficialidade de hoje não tem nada a ver com esses crimes, e eu acredito que eles vão entender assim. Eles não vão fazer coro com os caras que estão vestidos de pijama. A instituição deve ser preservada, não os que estavam no comando dela.
JC - Familiares de vítimas da ditadura têm críticas à comissão.
Erundina - Entre outras coisas, as restrições versam sobre o prazo de dois anos, que é pouco tempo,
a composição de apenas sete membros, não ter autonomia financeira e orçamentária porque ela vai funcionar no âmbito da Casa Civil, dependendo da ministra Gleisi Hoffmann (PT) a liberação de recursos para poder investir nos trabalhos; essa é uma limitação grande, não ter autonomia. O período a ser investigado é de 1946 a 1988, são mais de 40 anos, e não se sabe como se fará isso com sete pessoas em dois anos e com limitação financeira. Em outros países também foi assim no início. Eles conseguiram comissões da verdade com restrições e, a partir da pressão da sociedade, foi possível ampliar essa condição de apuração dos fatos e chegar à Justiça que alguns países como Argentina, Uruguai e Chile conseguiram graças à mobilização.
a composição de apenas sete membros, não ter autonomia financeira e orçamentária porque ela vai funcionar no âmbito da Casa Civil, dependendo da ministra Gleisi Hoffmann (PT) a liberação de recursos para poder investir nos trabalhos; essa é uma limitação grande, não ter autonomia. O período a ser investigado é de 1946 a 1988, são mais de 40 anos, e não se sabe como se fará isso com sete pessoas em dois anos e com limitação financeira. Em outros países também foi assim no início. Eles conseguiram comissões da verdade com restrições e, a partir da pressão da sociedade, foi possível ampliar essa condição de apuração dos fatos e chegar à Justiça que alguns países como Argentina, Uruguai e Chile conseguiram graças à mobilização.
JC - Como prefeita de São Paulo, a senhora criou ações para investigar casos de perseguidos políticos enterrados em valas comuns. A Comissão da Verdade também tratará disso?
Erundina - Cemitérios municipais nas periferias distantes da cidade de São Paulo eram os locais para onde foram levados corpos sangrando, enterrados em valas clandestinas. Como governo da capital,
tive condições políticas e iniciativa de desvelar e abrir aquelas valas, preservando as ossadas que estavam lá em sacos plásticos sem nenhuma identificação. Consegui fazer um convênio para que a Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) pudesse periciar cientificamente aqueles corpos, eram 1.049 corpos, mais de 400 corpos de crianças e indigentes que estavam misturados com os dos militantes, mas mesmo assim muitos deles foram encontrados. Para os familiares que estavam presentes naquele momento da descoberta das valas, criamos inclusive uma comissão de familiares remunerada. Eles passaram a buscar nos arquivos do Dops (Departamento de Ordem Política e Social) e da polícia em São Paulo e abriram as primeiras informações. Isso adquiriu uma dimensão que explica o fato de hoje a gente poder criar a Comissão da Verdade.
JC - Quem vai presidir os trabalhos da Comissão da Verdade? Falou-se no nome do ex--presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB).
Erundina - São cogitações, mas não tem ninguém, pelo menos que eu saiba. Sequer os membros
estão definidos, então imagine o presidente. Deve ser uma decisão do coletivo dos sete integrantes.
JC - Sobre a liberdade de imprensa, como analisa o tema hoje no País?
Erundina - Nós estamos com uma legislação bastante desatualizada, superada, obsoleta. O código
brasileiro de comunicação fez 50 anos este ano, e toda a legislação são fragmentos de normas, e o capítulo 5º da Constituição que prevê as normas para isso está com quase todos os seus artigos não regulamentados, com exceção de alguns. Ele está defasado, sobretudo pensando na revolução tecnológica que houve nesse setor: a convergência digital dos meios de comunicação, a internet, as redes sociais, quer dizer, é uma revolução nesse campo e é preciso que haja um marco regulatório novo. A lei geral das comunicações é de 1997, o sistema comunitário de comunicação é de 1998, estão atrasados e não respondem mais. Por isso, a gente abriu uma frente parlamentar pela liberdade de expressão e o direito à comunicação com participação popular. São mais de 200 deputados que participam e mais de 100 entidades nacionais que militam nessa questão. Estamos exatamente pressionando o governo para encaminhar ao Congresso um novo marco regulatório que dê conta de todas essas inovações e supra esse vazio jurídico que existe pela obsolescência do marco regulatório, que é de 1962.
Erundina - Nós estamos com uma legislação bastante desatualizada, superada, obsoleta. O código
brasileiro de comunicação fez 50 anos este ano, e toda a legislação são fragmentos de normas, e o capítulo 5º da Constituição que prevê as normas para isso está com quase todos os seus artigos não regulamentados, com exceção de alguns. Ele está defasado, sobretudo pensando na revolução tecnológica que houve nesse setor: a convergência digital dos meios de comunicação, a internet, as redes sociais, quer dizer, é uma revolução nesse campo e é preciso que haja um marco regulatório novo. A lei geral das comunicações é de 1997, o sistema comunitário de comunicação é de 1998, estão atrasados e não respondem mais. Por isso, a gente abriu uma frente parlamentar pela liberdade de expressão e o direito à comunicação com participação popular. São mais de 200 deputados que participam e mais de 100 entidades nacionais que militam nessa questão. Estamos exatamente pressionando o governo para encaminhar ao Congresso um novo marco regulatório que dê conta de todas essas inovações e supra esse vazio jurídico que existe pela obsolescência do marco regulatório, que é de 1962.
JC - Outro tema polêmico são as concessões de rádio e tevê.
Erundina - Um dos capítulos da reforma de um novo marco é rever os critérios de outorga e renovação de concessões porque hoje as regras possibilitam ou levam ao monopólio e à concentração nas mãos de uma minoria. São quatro ou cinco famílias ou grupos que detêm o controle da mídia no País e isso é um serviço público. Portanto, uma das principais coisas a serem
revistas é quem concede e faz essas outorgas, que órgão. Deve-se acabar com concessões para políticos, para quem detém mandatos, quem exerce função pública, conforme proíbe a Constituição.
JC - Acredita que essas alterações terão dificuldades de avançar no Congresso?
Erundina - Tudo é difícil naquele Congresso e ele não fará nenhuma mudança se a sociedade não exigir. Eles são representantes da população. Tem um movimento forte, nós já realizamos a primeira
conferência de comunicação em 2010. Essa frente, como qualquer frente de comunicação, é um filhote da Confecom (Conferência Nacional de Comunicação), ou seja, foi uma decisão, uma proposta à qual nós demos corpo criando essa Frente Parlamentar pela Liberdade de Expressão
e o Direito à Comunicação com Participação Popular. São entidades da sociedade civil que junto
com parlamentares coordenam, dirigem e realizam uma agenda intensa em torno desses temas de
comunicação de massa no Brasil.
Erundina - Ela está realmente tendo atuações interessantes e positivas, inclusive na relação com o Congresso, está conseguindo se diferenciar daquela preocupação com a governabilidade. A popularidade dela se mantém exatamente por essas atitudes, não tolerando desvios éticos no primeiro escalão do governo. Ela tem sido uma pessoa corajosa. Esperamos que ela também seja na instalação da Comissão da Verdade e contribua para que a gente possa cumprir essa demanda reprimida há décadas no País.
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