Por Dora Kramer - O Estado de S.Paulo 01/03/2011
Nessa história de janelas de infidelidade, fundação de novos partidos e fusões entre legendas, deflagrada pela decisão do prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, de deixar o DEM, salvo lapso de memória apenas uma deputada levantou a questão programática.
Luiza Erundina, do PSB, que já avisou: se Kassab entrar por uma porta ela sai pela outra. Pelo motivo mais simples desse mundo e incluído pelo Supremo Tribunal Federal entre os casos em que a troca é permitida sem sanções: mudança de orientação programática do partido ao qual é filiado o insatisfeito.
O fato de Erundina ser exceção nesse debate cujo fio condutor é exatamente a orientação pragmática dos políticos em potencial mutação diz bastante sobre a política brasileira e as dificuldades de se fazer uma reforma digna desse nome.
Kassab, Guilherme Afif, Raimundo Colombo (governador de Santa Catarina) e mais a plêiade de políticos eleitos pelo DEM são socialistas exatamente desde quando?
A menos que tenham se convertido na mesma pia em que o empresário Paulo Skaf, então presidente da Federação das Indústrias de São Paulo, se batizou socialista para poder disputar o governo de São Paulo em 2010.
Justiça se faça, seguem apenas a prática da total desconexão entre os programas dos partidos, suas ideologias (quando existentes) e o comportamento de seus filiados.
Da Social Democracia o PSDB não guarda resquícios; o PMDB desde o fim da ditadura virou uma confederação com financiamento público de interesses particulares; o PDT de Leonel Brizola desmilinguiu-se ao tornar-se braço parlamentar da Força Sindical; O PTB de trabalhista só guarda o nome; o PT faz qualquer negócio pelo poder.
Mais ou menos ideológico firmou-se o DEM, na tentativa de livrar-se da marca fisiológica do PFL. Recentemente ensaiou afirmar-se como liberal no sentido conservador do termo. Mas, como determinadas teses definidas como de direita remetem à época da ditadura, sucumbiu.
E que não se diga que perdeu espaço por causa do escândalo Arruda, porque nesse quesito outras agremiações deram contribuições mais eloquentes e nem por isso ganharam passaporte para o vinagre.
O problema principal do partido parece ter sido uma combinação de oposição sem trégua ao guia genial dos povos e uma reformulação interna malfeita e com condução ainda pior.
Pois muito bem, e o que tem o PSB para se tornar atrativo de tantos? Ideias, ideais, propostas, plataformas?
Não. Tem um presidente promissor, na figura do governador de Pernambuco, Eduardo Campos, exibiu expressivo crescimento na última eleição, tem trânsito no governo e na oposição e principalmente proximidade com o Palácio do Planalto.
Tradução: representa excelente oportunidade para quem enfrenta dificuldades eleitorais nos partidos atuais e tem o maior interesse em engordar suas fileiras. Ademais, para quem aposta que Lula voltará em 2014 é uma excelente forma de, sem querer querendo, se associar à monumental máquina de produzir votos.
Já o pensamento, a consistência, a identidade ideológica, a luta de cada partido hoje perdedor para se transformar em vencedor corrigindo os próprios erros, sabe como é: dá muito trabalho sem resultado imediato assegurado.
À francesa. O colega Gabriel Manzano Filho garimpou esta: na França o costume, não a lei, manda que ministros abandonem seus cargos quando perdem eleições.
O argumento é o de que o perdedor possa usar o posto para se vingar dos adversários que o derrotaram.
Exemplo: Alain Juppé tinha sido convidado pelo presidente Nicolas Sarkozy para ser ministro do Meio Ambiente. Tomou posse e 19 dias depois disputou e perdeu a eleição legislativa em Bordeaux.
Resultado: precisou renunciar ao ministério.
Por aqui ocorre exatamente o contrário: ao perdedor, se amigo do poder, há sempre um alto cargo reservado como recompensa pelo pífio desempenho.
Tipo da regra que não precisa de lei. Só de mentalidade referida no espírito público.
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