Na tarde do dia 9 de setembro, Luiza Erundina recebeu a equipe, digamos, do TarifaZero.org na casa que lhe serve de base, de escritório, em São Paulo, para conversar sobre a política de transporte coletivo que marcou – ou deveria ter marcado – seu governo. Muito do reconhecimento de Erundina na política se deve pela experiência de governar a cidade de São Paulo entre 1989 e 1993. Era a primeira vez que o PT chegava ao poder executivo de uma megalópole e Erundina trazia consigo novos ares para a política nacional. Mulher, nordestina, com um histórico de lutas em movimentos sociais, ela precisou vencer resistências até mesmo dentro do partido. Eleita, montou um governo repleto de nomes de peso, como Paulo Freire, Marilena Chauí e Paul Singer, adotando como lema a idéia de “inversão de prioridades”. Ou seja, a compreensão de que era necessário redirecionar as políticas para aqueles que mais necessitavam delas. Aquele governo entrou para a história também como o responsável pela promoção de políticas como os mutirões autogeridos (para equacionar o déficit habitacional), e pelos projetos de alfabetização de adultos (os Movimentos de Alfabetização).
Mas, por algum motivo ainda a ser descoberto, uma das idéias mais inovadoras de seu governo não entrou para a galeria dos feitos mais conhecidos: o Projeto Tarifa Zero, fomentado pela equipe da Secretaria de Transportes, cujo titular era o engenheiro Lúcio Gregori. É sobre este projeto que Erundina fala nesta entrevista, com muita clareza e um pitado de decepção por conta da derrota política que o projeto foi submetido, embora tenha alcançado altos índices de aprovação popular. Essa aprovação é o que a faz acreditar ainda ser possível a aplicação da idéia da tarifa zero. Para Erundina, “se não foi vinte anos atrás, será um dia. A história dá saltos. O importante é você apostar em idéias que são inovadoras e acumular forças. Passa pela vontade popular. Dom Tomás Balduíno já dizia que o novo o povo é que cria”.
Para te explicar: nós temos este site, chamado tarifazero.org, que é consequência da luta que a maioria de nós trava há alguns anos através do Movimento Passe Livre. Não é um site do movimento, mas nasceu para divulgar a idéia que foi, de certa forma, inspirada na experiência que vocês desenvolveram no governo em São Paulo. Como era a conjuntura do governo do início até chegar o momento da idéia da tarifa zero? Como nasceu dentro do governo essa idéia da tarifa zero?
Olha, primeiro: a questão do transporte e do trânsito na cidade de São Paulo foi sempre um problema muito difícil, complexo, desafiador. Não foi diferente na nossa época, até porque nós tínhamos a CMTC (Companhia Metropolitana de Transportes Coletivos), que respondia, ou deveria responder, por 30% do transporte de ônibus da cidade e nós encontramos a completamente sucateada. A frota envelhecida, deteriorada, estoques zerados. Basta dizer que havia um único pneu no estoque, no depósito, e esse pneu estava careca. Praticamente 30% do conjunto do sistema não funcionava.
A senhora lembra o tamanho da frota da CMTC?
Eram três mil ônibus. Deveriam operar três mil ônibus, que seria 30% da frota da cidade. Mas estava muito reduzida, com muitos problemas. Além disso, havia uma má vontade dos fornecedores de peças, de acessórios e aqueles elementos que eram necessários para manter a frota. E a frota privada não é que estivesse bem não. Também estava envelhecida, deteriorada. Serviço de baixíssima qualidade e muito caro.
Era um serviço muito caro. Foram muitos problemas e não só em relação às políticas de transporte e trânsito. Mas, particularmente, com transporte nós enfrentamos muitos problemas. Começamos a tentar alternativas. Por exemplo, a questão, da municipalização, no sentido de mudar os termos de contrato da prestação do serviço de transporte. E nós tínhamos minoria na Câmara. Nós governamos quatro anos com minoria na Câmara. E qualquer modificação dessas normas de contratos com as empresas, com os empresários, exigia a aprovação de um projeto de lei. Nós não tínhamos maioria para aprovar esses projetos. Muita má vontade. E só no terceiro ano é que nós conseguimos aprovar a lei de municipalização, que permitia que se remunerasse o serviço não por viagens realizadas, mas também por quilômetros rodados. Foi uma medida que melhorou a qualidade do transporte, uma outra lógica que passou a reger essa relação contratual e significou, inclusive, a redução do número de passageiros por metro quadrado dentro dos ônibus. Significou melhor qualidade e redução de custos pro usuário e evidentemente a Prefeitura teve que arcar com um subsídio maior das tarifas.
Era o único meio que se tinha de melhorar a qualidade do serviço. Um serviço essencial. Não é que o usuário precisa desse serviço apenas em alguns momentos do dia. Pelo contrário, todos dependem. Na época eram mais de seis milhões de usuários que dependiam do transporte de ônibus. O metrô era muito mais limitado do que é hoje em termos de linhas. Portanto, era um transporte que representava muito mais do que hoje, do ponto de vista do transporte de massa. E entre outras medidas que o setor de transporte bolou – particularmente Lúcio Gregori [secretário de Transporte] e sua equipe, o Mauro Zilbovicius, o José Jairo Varoli, enfim, os companheiros que integravam a equipe de transporte e trânsito –, havia uma idéia de se ter um Fundo de Transporte para o qual não contribuiriam só a Prefeitura, mas também os empresários. Os que mantinham os negócios na cidade, sistema de bancos, de supermercados, de shoppings, enfim, os que deveriam também participar dos custos desse serviço, já que é um insumo dos negócios. Eles dependiam do trabalhador para ir e voltar para o trabalho. Seja Shopping Center, supermercado, banco, as lojas de um modo geral. Era justo que os custos desse serviço, no mínimo, fossem repartidos em três partes. Um terço da Prefeitura, um terço dos usuários e um terço dos empresários, aqueles que de certa forma se beneficiavam desse serviço, como meio de transporte dos seus trabalhadores, dos seus empregados. E esse Fundo exigia uma outra lei que a Câmara se recusou a aprovar. Houve uma campanha contra essa proposta. O próprio Partido dos Trabalhadores, que era o partido ao qual eu estava filiada como prefeita, também não entendeu a proposta, resistiu a ela. Mas foi essa a idéia. É um serviço ao qual todos se beneficiam e não é justo que só o usuário banque com os custos desse transporte, no caso a tarifa. E também deixar tudo isso como subsídio da Prefeitura era onerar também o usuário, o trabalhador de um modo geral, porque no fundo o recurso público vem do quê? Dos tributos. Se se destina mais subsídio para o transporte, você reduz algum investimento em saúde, em creche, em habitação. Portanto, o serviço público, a fonte de receita dele é o contribuinte, todos que vivem na cidade, trabalham na cidade, produzem na cidade. Então nós entendíamos que seria absolutamente justo estabelecer um Fundo para o qual todas as partes interessadas num bom serviço de transporte pudessem contribuir. E isso a meu ver, a nosso ver, era uma medida justa, uma medida de distribuição dos custos e uma condição para se melhorar o transporte, que é essencial para vida da cidade. Mais essencial, mais importante naquele momento do que hoje, provavelmente.
Como foi o momento de tensão entre governo e o PT? Essa falta de compreensão à idéia foi do partido como um todo, da bancada na câmara, como era?
Havia um movimento na cidade, não só da parte do partido, de outros partidos, da cidade como um todo, numa visão equivocada, dizendo que seria um serviço gratuito e, como tal, todo mundo ia abusar do uso.
Conseqüentemente viraria um caos, ia piorar a qualidade do serviço. Toda idéia inovadora, criativa, revolucionária em certo sentido, gera resistência. Às vezes uma resistência equivocada, às vezes de má fé. E eu tive uma dificuldade com a Câmara com relação ao transporte porque eles sabiam que, à medida que a gente conseguisse melhorar esse serviço, aliado ao planejamento do tráfego e do trânsito, isso geraria dividendos políticos e eleitorais, já que em quatro anos do meu governo houve três eleições: uma para presidente da república, outra para governador e outra para o meu sucessor. Tudo isso numa relação entre os dois poderes bastante tencionada, porque nós não tínhamos aquela prática fisiológica, promíscua que normalmente existe na relação do Executivo com o Legislativo, sobretudo a história da Câmara Municipal de São Paulo e da Prefeitura de São Paulo. Nunca foi uma história muito bonita do ponto de vista da independência dos dois poderes, de um rigor ético na relação entre os dois poderes. E tudo aquilo que se tentava criar de novo, uma inovação, algo criativo, algo diferente daquilo que tradicionalmente se fazia em relação a esse setor [de transporte] era visto com má vontade, má fé, má intenção e isso evidentemente inviabilizou a proposta. Encaminhamos a proposta pra Câmara e a Câmara rejeitou o projeto. E hoje a gente sabe que é uma idéia que está sendo incorporada, cogitada, reapropriada por muitos governos. Até porque não é uma questão tão inusitada, já que em outros países do mundo a divisão dos custos do transporte é uma coisa que já se faz há muito tempo. Só que nós tivemos resistência, dificuldade e, lamentavelmente, não conseguimos implantar essa idéia inovadora, bastante criativa que se tentou implantar na cidade naquele momento.
Numa conversa que fiz com o Lúcio Gregori, ele contou sobre o entusiasmo que tu tinhas na época ao imaginar que os movimentos sociais poderiam se apropriar desta idéia e reivindicá-la. O PT tinha uma influência muito forte nos movimentos naquele período, mas como foi? Tinha movimentos sociais reivindicando a tarifa zero?
O problema é que, quando se conseguiu construir essa proposta, faltavam poucos meses para se fechar o orçamento da cidade. O Executivo é quem manda o projeto de lei orçamentária e, se não me engano, restavam três ou quatro meses anteriores ao prazo legal para apresentar o projeto na Câmara. Portanto, não houve tempo suficiente para se esclarecer esses setores que, não por má vontade, mas por desconhecimento, por não ter domínio da proposta no seu todo, evidentemente ficavam desconfiados, inseguros, em dúvida.
Mas a população aprovou.
A população aprovou. Só que nós não conseguimos acumular força política, pressão externa ao Legislativo... e a mídia também. O problema é que tivemos o cerco da Câmara tivemos também com a mídia. Talvez a gente não ter sido muito competente na relação com a mídia. Até porque nós tínhamos muito rigor, muita preocupação em não extrapolar os investimentos em comunicação, em publicidade, em propaganda. Porque as carências na cidade eram tão grandes, como é que iríamos...
Desperdiçar.
Num certo sentido. Vendo de fora, a uma certa distância e fazendo autocrítica, talvez a gente pudesse ter construído aquela relação. Não com os donos dos veículos de comunicação, mas com os jornalistas, os trabalhadores da mídia. Se a gente tivesse tido talvez mais flexibilidade, não no sentido de ceder às práticas antiéticas, desonestas, corruptas, absolutamente, mas talvez se a gente tivesse uma política de comunicação mais flexível, mais aberta, mais política no sentido do positivo do termo, a gente tivesse... não evitado o cerco da mídia, a má vontade da mídia, perseguição, eles faziam campanha contra o nosso governo. Alguns trabalhadores da imprensa, jornalistas que eram próximos à gente e simpáticos ao nosso governo, nos diziam que eles tinham reuniões diárias com os coordenadores das matérias para saber o que é que dava para bater na prefeita, para bater no governo, para criticar o governo. Havia também um boicote permanente dos empresários, dos fornecedores dos bens que a gente precisava para prestar o serviço à cidade e foram quatro anos de muito bloqueio, muita má vontade, muito boicote e de muita perseguição política da mídia, dos partidos políticos, inclusive o meu na época e dos outros dois níveis de governo. Tivemos dois governadores. Primeiro Quércia, depois Fleury, na presidência da república o Sarney, depois o Collor. Enfim, não tinham nenhuma simpatia nem boa vontade com São Paulo – não estou dizendo com nosso governo. Isso tudo explica aquela conjuntura e as dificuldades que enfrentamos, não só em relação a essa questão. Mas ficou a idéia. E quando a idéia é boa, quando a idéia é correta, justa, necessária, oportuna, ela vinga. Mesmo se não vingar naquele espaço, naquele tempo, naquele governo, mais cedo ou mais tarde vai vingar. Em algum momento, em algum lugar, em algum espaço mais democrático, mais compreensivo. Numa conjuntura mais adequada do que foi aquela em que nós tentamos implantar essa idéia na cidade de São Paulo.
A senhora que essa falta de compreensão por falta da mídia e dos partidos que eram contrários à idéia da tarifa zero pode ter um pouco de preconceito de classe? Em não querer admitir que todas as pessoas na cidade, as pessoas mais pobres, possam se locomover por todos os espaços nela?
Com certeza. E o preconceito de que o pobre não é civilizado, não é educado, não vai entender os limites do uso de um serviço público. O pobre sabe fazer isso melhor do que o rico que nunca fez, não precisa usar isso. E a carga de preconceito que havia contra meu governo, contra mim pessoalmente. Mulher, nordestina, do PT, de esquerda, independente, que não cedia a nada do ponto de vista do que era ético, justo para a cidade, do que era correto. Eu era vista como alguém que atrapalhava os interesses dos privilegiados, dos que sempre tiveram controle do Estado, da Prefeitura. No Estado patrimonialista o Estado é de uma classe, ou de um segmento dessa classe. Conseqüentemente, tudo que vier no sentido de destinar os meios, recursos, a ação do Estado para incluir a maioria excluída, os trabalhadores que geram e produzem a riqueza da cidade... Então, isso tudo, as empreiteiras, todo mundo muito revoltado porque seus interesses estavam, no mínimo, sob controle de um governo que não fazia concessões do ponto de vista ético. Diferentemente de outros governos que nos antecederem e nos sucederam, no superfaturamento de obras e das compras. Isso acabou não existindo no nosso governo e atingiu o interesse de muita gente. E essa muita gente é uma gente poderosa. O poder da mídia, o poder sobre os representantes da cidade, a Câmara municipal. Tudo isso explica o fato de não termos conseguido implantar uma política tarifária moderna, avançada e justa, como seria esta proposta.
A senhora deve acompanhar esses debates, embora ainda tímidos, sobre problemas de tráfego na cidade, a poluição. E a questão do transporte coletivo parece estar tendo mais atenção. O que a senhora acha dessa idéia da tarifa zero hoje. Ela poderia vingar até mesmo neste contexto?
Depende da estratégia que se use para isso. Eu acho que hoje, talvez com o agravamento do trânsito, do transporte, os custos do sistema que a cada dia cresce... Porque quando o trânsito não flui é desperdício de combustível, deterioração da frota, mesmo individual. Enfim, as prioridades de investimento tendem a se alterar. Ao invés de construir tanto túnel, tanto viaduto, tantas vias expressas para favorecer o fluxo de automóveis, se inverta essa tendência e se invista em outro tipo de infra-estrutura urbana, com vista ao transporte de massa, o transporte coletivo, a integração entre os vários sistemas. Um planejamento da cidade que atente para outra lógica que não essa em que todo o fluxo do tráfego e trânsito flui para o centro da cidade.
Descentralizar o serviço público?
Exatamente. Não só descentralizar, mas distribuir o fluxo de tráfego a partir de outro planejamento. Que as regiões tenham seu planejamento próprio integrado às outras regiões, guardando entre si uma certa lógica, uma certa racionalidade, para reduzir fluxos, para reduzir custos, para reduzir tempo, para dar uma inteligência maior ao fluxo de tráfego e de trânsito. Nós tínhamos já o entendimento disso há vinte anos, só que nós não tínhamos condições políticas, força política, correlação de forças na sociedade. Porque o fato de nós termos sido eleitos pela maioria da população pobre e trabalhadora da cidade... O nível de organização política e a participação política desse segmento não eram, naquele tempo, suficientes, nem hoje também, para respaldar um governo que de fato invertesse toda lógica que predominava na vida da cidade em relação a tudo. Que era sempre o interesse de uma minoria contrariando o interesse da maioria, em todos os aspectos da política de governo local, estadual e nacional – que não tinham boa vontade com relação a uma ação partilhada, articulada com o governo municipal. Mas, apesar disso, nós tivemos a ousadia, a coragem, modéstia parte a competência. Era uma equipe muito competente, muito criativa, idealista, corajosa, ousada e que deixou marcas...
E foi a senhora quem puxou o Lúcio, não? Ele estava em outra Secretaria, a de Serviços e Obras, apesar de ter tido uma experiência com transporte público quando trabalhava para o Metrô.
Pois é, mas ele é uma pessoa muito inteligente, muito capaz. Diria até que tem uma certa genialidade. Onde ele tocava a mão, dava certo. Onde o governo tinha dificuldades, chamava o Lúcio. Chamava o Sandroni, que era outro companheiro. Havia uma disponibilidade muito grande desses companheiros de ajudar o governo no que fosse. O Sandroni também não era do transporte e veio nos ajudar, com o Lúcio, na CMTC, enfim, em outras áreas. Era uma situação, do ponto de vista do governo, privilegiada, pela qualidade dos assessores, do secretariado, da boa vontade. A disponibilidade desses companheiros, dessas companheiras, para enfrentar aquela guerra, que foi a cidade aceitar a decisão da maioria dos eleitores de ter nos colocado a frente do governo da cidade. E eles achavam que a gente não ia dar conta, não acreditavam na nossa competência, apostavam no fracasso, apostavam que já no primeiro ano...
O próprio partido?
Não tanto assim, mas não acreditava. Até porque eu não era candidata do stablishment da direção partidária. O partido não acreditava que eu fosse capaz de conduzir uma equipe. Eu não governei sozinha, governei com uma equipe daquele patamar.
Com quem a senhora disputou?
Era Plínio de Arruda Sampaio. Eu entendo que o partido tinha uma avaliação... O partido, digo, a direção, porque foram as bases do partido que me impuseram como candidata numa prévia. Foi a primeira prévia que se fez num partido político para escolher uma candidatura. E o partido tinha uma avaliação... a direção partidária tinha uma avaliação que até tinha lógica. Plínio era homem, paulista, de família tradicional, com uma trajetória política bastante avançada, progressista, democrática, de esquerda. Certamente, dentro da lógica eleitoral e política daquele tempo, o nome de uma pessoa com o perfil do Plínio tinha muito mais chance de ganhar e governar a cidade do que eu. Mas as bases do partido pensaram diferente, apostaram numa outra candidatura que não aquela com o perfil que é imposto pela cultura política tradicional, conservadora, elitista e terminou dando uma zebra, nós ganhamos o governo da cidade. O partido ficou muito desgostoso com isso porque também tinha a mesma avaliação que os adversários em relação à minha pessoa. Achavam que eu não era capaz, que eu era agitadora, só. Claro que a minha militância política foi marcada por muita contundência, por muito compromisso com a luta do povo, com a luta social, com a luta política. Eu vim do nordeste expulsa pela ditadura militar, perseguida pela ditadura e aqui em são Paulo não foi diferente. Eu assumi de novo o compromisso de ajudar o povo a se organizar, a tomar consciência dos seus direitos, a lutar por eles. Então eu não era uma candidata de bom gosto para a elite paulistana, para a classe média paulistana, e o partido, que tinha toda razão de querer ganhar a prefeitura de São Paulo... e o cálculo naquele momento é que não era tão fácil assim, sobretudo contrariando a lógica de uma cultura político-eleitoral conservadora, de direita. Uma candidatura com o perfil como o meu era, de fato, uma aposta bastante arriscada. Mas a história se conduz de forma diferente daquilo que essas pessoas... esses segmentos que dominam a cidade e a sociedade e impõem a sua verdade.
A senhora acha que seria possível construir hoje essa idéia da tarifa zero, lutar pelas questões do transporte, sem uma movimentação popular?
Não, temos que mobilizar. Mais do que isso, não é só mobilizar os setores populares, é também fazer um trabalho de opinião pública, no sentido de traduzir os aspectos técnicos dessa proposta, da inteligência que ela contém nela mesma. Talvez devêssemos todos nós, não só vocês que estão empenhados nessa bandeira, ampliar esse arco de alianças e de forças políticas e de interessados em conhecer melhor essa proposta. Para ver se ela se torna de fato uma política pública não só apenas de uma cidade, nem só de um estado, mas do país. Talvez fosse a hora de se trazer o debate, por exemplo, para uma comissão da Câmara dos Deputados, trazer o debate para o Congresso nacional. Trazer os especialistas e os não-especialistas, os favoráveis e os não-favoráveis à proposta e colocá-la na agenda do país para debate. Já que o problema do transporte e do trânsito, sobretudo no transporte coletivo de massa, ainda é um desafio que não se resolveu, muito menos nas grandes cidades como São Paulo, Rio de Janeiro, Salvador, Belo Horizonte, Recife etc. Talvez se devessem juntar todas as forças que estão apostando a favor ou contra a essa idéia para colocá-la em debate na opinião pública, trazendo junto os trabalhadores, assalariados, usuários, setor empresarial, setor de transporte, governos das três esferas. Vamos discutir! E vamos, quem sabe, conseguir, agora com uma condição, outra conjuntura, fazer valer uma idéia tão genial, na minha avaliação, tão criativa e tão justa no ponto de vista da maioria, que são os que dependem do transporte coletivo, transporte de massa, sobretudo em cidades grandes como São Paulo. E quero me colocar à disposição dessa luta. Quem sabe a gente possa planejar um debate lá na Câmara dos Deputados. Eu sou uma entusiasta dessa idéia, acho que é uma pena...
E outras idéias que o governo teve na época. Era uma equipe muito boa. Era Marilena Chauí, era Paul Singer, Paulo Freire, Lúcio Gregori, Paulo Sandroni, uma equipe muito boa, muito competente, muito corajosa. Mas a gente chega lá um dia. Se não foi vinte anos atrás, será um dia. A história dá saltos. O importante é você apostar em idéias que são inovadoras, apostar nelas, e acumular forças. Passa pela vontade popular. Dom Tomás Balduíno já dizia que o novo o povo é que cria. E é mesmo. Não somos nós que temos algum nível de responsabilidade, de autoridade. É o povo junto que dá condições para, né?
Créditos: Site tarifazero.org | Novembro de 2009 | Por: Daniel Guimarães
Nenhum comentário:
Postar um comentário