Luiz Cláudio Canuto - Jornal da Câmara
Criméia de Almeida; Fábio Konder Comparato e dep. Chico Alencar | foto: Gustavo Lima |
O professor Fábio Konder Comparato, da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, afirmou na Câmara que é preciso ficar claro que a busca dos corpos da Guerrilha do Araguaia é responsabilidade oficial do Estado. Ao participar ontem de audiência da Comissão de Direitos Humanos e Minorias, Comparato disse que o Brasil romperá com a ordem internacional se desrespeitar a sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA) sobre a guerrilha, que considerou dever do governo brasileiro investigar, julgar e punir torturadores.
A Corte classificou o fato como crime contra a humanidade e, em dezembro de 2010, culpou o Brasil pelo desaparecimento de 62 integrantes da guerrilha, organizada pelo PCdoB no início dos anos 70 na região do Bico do Papagaio (divisa dos estados de Tocantins, Pará e Maranhão). O Estado foi condenado a devolver os restos mortais às famílias dos desaparecidos.
Segundo Comparato, o Brasil se recusa a cumprir a decisão internacional, pois a Advocacia Geral da União (AGU) se manifestou pelo não cumprimento da sentença. Como a AGU está submetida à Presidência da República, isso significa que o governo decidiu enfrentar a Corte, o que torna o Brasil, segundo ele, um País fora da lei.
Na opinião do professor, o debate não deve levar em conta o conflito entre a decisão da Corte e o julgamento anterior do Supremo Tribunal Federal (STF). A sentença da OEA é contrária a uma decisão do STF de maio de 2010, que considerou anistiados todos os crimes políticos e conexos cometidos durante o governo militar, por agentes do Estado ou por militantes políticos contrários à ditadura.
Protestos dos familiares - No debate proposto pela deputada Luiza Erundina (PSB-SP), a presidente da Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos de São Paulo, Criméia de Almeida, afirmou que não há transparência nas decisões do governo. Como exemplo, ela contou que a decisão da Corte Interamericana não foi comunicada à comissão. “É estranho, porque essa publicação faz parte do entendimento da Corte de que a divulgação pelo Estado é uma reparação. E nós não ficamos sabendo. Depois que soubemos, não achamos mais o jornal.”
Criméia, que sobreviveu à guerrilha e tem três parentes desaparecidos, disse que os familiares querem ter liberdade de movimento na região onde ocorrem as buscas, inclusive com o recebimento de mapas e informações geográficas.
Segundo ela, o Ministério da Defesa já reconheceu que a presença dos familiares nas buscas é legítima, mas não efetivou essa participação. Ela lembrou que os restos mortais de Maria Lúcia Petit e Bérgson Gurjão Farias (guerrilheiros cujas ossadas foram identificadas) foram descobertos com alguma ajuda do Estado, mas fundamentalmente pelo esforço dos familiares.
Ao falar sobre a proposta de criação da Comissão da Verdade (PL 7376/10), Criméia disse que essa medida não vai substituir a sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos da OEA.
Sentença determina tipificação do delito de desaparecimento
A diretora do Centro pela Justiça e Direito Internacional (Cejil Brasil), Beatriz Affonso, ressaltou na audiência que a sentença da OEA determina a tipificação do delito do desaparecimento de pessoas. “Deve ser punido quem fez desaparecer e quem hoje oculta informações”, disse. A Cejil Brasil representa familiares de 53 vítimas.
Após a decisão da Corte, o governo federal ampliou o grupo de buscas por restos mortais de integrantes da guerrilha. Esse grupo era formado apenas por militares e passou a incluir representantes da Comissão de Desaparecidos Políticos e da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República.
Beatriz Affonso lembrou, no entanto, que a sentença também determina a participação de familiares nas buscas. Ela defendeu, ainda, a participação do Ministério Público.
Para o jurista Fábio Comparato, as ações atuais do governo, que incluem a ampliação do grupo de buscas, são protelatórias. “A Comissão da Verdade é um engodo. Tudo está sendo construído à brasileira, ou seja, com aparência de honestidade e bons propósitos, mas na verdade contrariando os princípios fundamentais da Justiça e rejeitando a decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos.”
A secretária da Divisão de Direitos Humanos do Ministério das Relações Exteriores, Camila Serrano Giunchetti, discordou. Ela afirmou que algumas medidas são complexas, demandam a ação de vários órgãos do governo, mas que as articulações vêm sendo feitas, principalmente pela Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República.
Segundo a representante da Secretaria de Direitos Humanos, Nadine Borges, uma nova expedição será feita em julho com a presença de familiares. A tecnologia para as buscas avançou. “Hoje nós contamos com o que há de melhor no Brasil. Os melhores peritos do Instituto Médico Legal (IML) do Distrito Federal, que participaram das identificações nos acidentes da Gol e da Air France. São esses técnicos que estão conosco. Quando eles conseguirem extrair o material genético, terão o material de confronto com o DNA dos familiares”, disse Nadine. Segundo ela, há um banco quase completo, que não pode ser descartado. “ Por mais que se tenha 90%, eventualmente aquela ossada pode pertencer aos 10% que não temos”, explicou. (LCC)
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