Trajetória de compromisso com a federação
Para enfrentar os desafios pós-constituinte, nascia no final dos anos 80 uma entidade suprapartidária que inovaria a pauta municipalista
Uma onda de liberdade varria o Brasil e o mundo quando a Frente Nacional de Prefeitos (FNP) foi criada, em 1989. O país elegia diretamente seu primeiro presidente da República depois do regime militar e o mundo assistia à queda do Muro de Berlim. As cidades escolhiam uma geração de prefeitos que havia lutado pela redemocratização e por uma agenda social para o país. Na economia, depois de sucessivos planos econômicos, a situação não era favorável: a união e os Estados estavam fragilizados. Foi nesse contexto que a então prefeita de São Paulo, Luiza Erundina, propôs a criação de uma entidade suprapartidária, com perfil progressista, cuja pauta fosse além da agenda estritamente financeira, orçamentária.
Refletindo a busca do pluralismo político, Erundina, que havia sido eleita pelo PT, fez os contatos iniciais com prefeitos de diferentes partidos, como Arthur Virgílio (então PSB), de Manaus; Pimenta da Veiga (PSDB), de Belo Horizonte; Marcelo Alencar (PDT), do Rio de Janeiro; e Olívio Dutra (PT), de Porto Alegre. “Eu propus e eles aceitaram a criação de um espaço para articular ações comuns em defesa de soluções para os problemas das capitais e cidades grandes”, conta Erundina.
A intenção, de acordo com a ex-prefeita de São Paulo, era criar uma estrutura aberta, ampla e pluralista em que os dirigentes deixassem os cargos ao fim de seus mandatos como prefeitos. As reuniões realizavam-se em diferentes cidades, a fim de descentralizar a presença da entidade.
O sociólogo Vicente Trevas, que trabalhou na administração de Erundina e foi subchefe de Assuntos Federativos da Secretaria de Coordenação Política e Assuntos institucionais da Presidência da República, lembra que antes de 1989 havia um movimento municipalista, mas com uma “agenda tradicional” que contemplava apenas a viabilização financeira dos Municípios.
Com a chegada ao poder da nova geração de prefeitos, em 1988, o movimento passou a ter uma pauta diferenciada, acrescentando na discussão temas como a política urbana e a inclusão social. Vicente Trevas observa que a própria Constituição de 1988 obrigou o Estado brasileiro a pensar em políticas federativas. O Sistema Único de Saúde (SUS), mantido pela União, Estados e Municípios, é a expressão mais clara desse novo arranjo.
Nesses 20 anos, a FNP obteve vitórias importantes, como as novas regras para o Imposto sobre Serviços (INSS), a criação do Fundo de Manutenção de Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), a regulamentação dos consórcios públicos, a criação do Ministério das Cidades e o aumento de um ponto percentual no Fundo de Participação dos Municípios (FPM).
Mas a vitória maior foi a união das capitais e maiores cidades para o debate e à mobilização federativa. Com essa iniciativa, o movimento municipalista passou a configurar-se como um novo pólo de poder político capaz de desempenhar papel vital nas questões de interesse das populações dos Municípios.
Articulação para enfrentar uma herança de problemas
Os prefeitos eleitos em 1988 herdaram uma série de problemas decorrentes da desconstituição de mecanismos de política urbana adotados durante o regime militar, como o Banco Nacional de Habitação (BNH) e o Plano Nacional de Saneamento (Planasa). A busca de solução para essas questões, agravadas pela acelerada urbanização do país, norteou a articulação que resultou na Frente Nacional de Prefeitos.
O centralismo da União ainda marcava as relações federativas. Durante o regime militar, os prefeitos de capitais e cidades consideradas áreas de segurança nacional eram escolhidos pelos governadores e tinham total dependência aos governos estadual e federal. Apesar da tentativa de manter as aparências, havia uma deformação federativa. Até mesmo as leis orgânicas dos Municípios eram aprovadas pelas assembléias legislativas estaduais.
Com a Constituição, os governos locais passaram à condição de parceiros da União e dos Estados. O artigo 23 criou, inclusive, as competências comuns aos três – fato que resultou em uma nova concentração federativa. Os prefeitos foram então à luta para colocar em prática os dispositivos constitucionais que atribuíam aos Municípios importância estratégica para o país e os livraria da condição de entes federados subalternos.
A FNP expressou essa nova condição das cidades e procurou ser um agente de interlocução dos Municípios com os Estados e a União, em torno das grandes questões urbanas. Ao aglutinar os prefeitos das cidades mais populosas do país, a entidade passou a representar a maioria dos brasileiros para operar a agenda urbana.
Bloqueio
Essa luta deu-se em variadas frentes e, mesmo com os avanços da Carta Magna, nem sempre teve um desfecho tranqüilo. Houve momentos tensos, como recorda o sociólogo Vicente Trevas. “Na década de 90, não se conseguiu estabelecer um diálogo estruturado, respeitoso e consistente entre os Municípios e governo federal. Isso fez com que os governos municipais partissem para os mecanismos de pressão. Um deles foi a Marcha dos Prefeitos a Brasília. Dez anos depois da posse da nova geração de 1988, os prefeitos fizeram uma mobilização na capital federal para negociar sua pauta de reivindicações. Acompanhados de parlamentares, eles se dirigiram ao Palácio do Planalto, na tentativa de reunir-se com o presidente. Houve então um conflito, na medida em que as forças de segurança tentaram conter o avanço dos prefeitos”, relembra.
O episódio, de acordo com Trevas, levou o governo federal da época a repensar sua política de criar a Secretaria de Assuntos Federativos, que, conforme o sociólogo, teve funcionamento muito variado e não se consolidou fortemente. Com a eleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 2002, há um redesenho da Presidência da República e a transferência do tema, então à cargo da Secretaria Geral da Presidência da República, para a Casa Civil, com a criação da Subchefia de Assuntos Federativos.
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