quarta-feira, 16 de novembro de 2011

O Brasil na contramão da história


No mesmo dia em que a Argentina condenava 18 militares (alguns de alta patente) por crimes de graves violações aos direitos humanos, cometidos durante a ditadura militar daquele país - 13 deles a prisão perpétua e os outros a mais de 18 anos de prisão - e o parlamento do Uruguai aprovava projeto de lei que tornava imprescritíveis os crimes da ditadura militar no país, o Senado Federal do Brasil aprovava, por unanimidade, o projeto de lei que cria a Comissão Nacional da Verdade, para investigar as violações de direitos humanos ocorridas no período de 1964 a 1985.

O Senado manteve na íntegra o texto aprovado antes pela Câmara, exatamente como queria o Governo e fora acordado com as Forças Armadas que continuam a monitorar os poderes da República e a espionar os cidadãos brasileiros e organizações da sociedade civil, verdadeira afronta às liberdades democráticas e às instituições do Estado Democrático de Direito.  

Governo, Câmara e Senado ignoraram as propostas de mudança dos familiares das vítimas da ditadura e organizações de direitos humanos, no sentido de alterar pontos do projeto que, segundo eles, comprometem a efetividade de uma autêntica Comissão da Verdade. Destacam, entre outros: o longo período a ser investigado (1946-1985); Comissão com apenas sete membros, escolhidos pela Presidente da República; sem autonomia financeira e com possível participação de militar.

Criticam, sobretudo, o fato de a Comissão não ter a prerrogativa de levar à Justiça os que vierem a ser responsabilizados por crimes de lesa humanidade, isso porque a Lei da Anistia de 1979, ratificada em 2010 pelo Supremo Tribunal Federal (STF), beneficia e protege os que, em nome do Estado, torturaram, assassinaram e desapareceram com opositores ao regime.

Após longa e penosa espera dos que lutam para que a verdade histórica sobre os crimes da ditadura seja revelada e os responsáveis punidos, como o fizeram outros países, é extremamente frustrante o que se conseguiu até agora e, mais ainda, não se ter grande expectativa quanto aos resultados da Comissão que foi aprovada e que aguarda a sanção presidencial.

Resta-nos indignarmo-nos e protestarmos contra essa Comissão que, mesmo se vier a identificar os criminosos, não impedirá que seus crimes fiquem impunes. A mobilização e a força organizada da sociedade civil serão capazes de fazer com que a Comissão da Verdade cumpra seus reais objetivos e contribua para que tais horrores nunca mais se repitam.
 
Para tanto, alguns mecanismos precisam ser criados, como, por exemplo, a formação de uma comissão extraoficial independente, integrada por personalidades, especialistas e ativistas dos direitos humanos, para fazer trabalho paralelo ao da Comissão oficial. Ademais, já conseguimos aprovar na Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados a instituição de uma subcomissão pluripartidária para acompanhar os trabalhos da Comissão da Verdade.

Chegou a hora do Brasil corrigir os rumos da sua história, fazer justiça e consolidar a democracia no país.

Luiza Erundina
Dep. Federal PSB/SP - Publicado no Jornal Brasil Econômico em 16/11/2011

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