*Por Paula Coutinho - Jornal do Comércio (RS) - 08/11/2011- Foto: Antônio Paz/JC
Militante combativa pelos direitos humanos, a deputada federal Luiza
Erundina (PSB-SP) pretende fazer um acompanhamento paralelo dos
trabalhos da Comissão da Verdade, recentemente aprovada pelo Congresso
Nacional para apurar os fatos e crimes do período da ditadura militar
brasileira. Nesta entrevista ao Jornal do Comércio, a parlamentar
critica o fato de a proposta ter rejeitado a contribuição de familiares
de perseguidos políticos e de especialistas. "Não foram aceitas as
emendas para aperfeiçoar a matéria. É um absurdo que militares integrem a
comissão", protestou. Erundina também está envolvida em outro debate
polêmico, a instituição de um marco regulatório das comunicações. A
deputada veio a Porto Alegre, na semana passada, para participar de um
seminário sobre a democratização da mídia. "É uma questão que tem
incidência direta e real no cotidiano da vida das pessoas", sustenta.
Jornal do Comércio - Que relação a senhora faz entre a regulação das comunicações e a apuração dos crimes cometidos na ditadura militar, já que em ambas as situações trata-se do direito à informação?
Luiza Erundina - Esses temas enfrentam muita resistência da maioria dos parlamentares porque são polêmicos, implicam compromissos com essas questões e nem sempre os partidos têm esses compromissos. Não se enfrenta a relação com a mídia, como encaminhar a regulação. Em relação às Forças Armadas, o governo brasileiro não tem tido a ousadia de outros países no sentido de trazer a verdade, resgatar a memória histórica e fazer justiça. Recentemente, Argentina e Uruguai fizeram novas condenações por crimes de lesa humanidade. O governo não tem tido coragem para enfrentar essas polêmicas e isso termina atrasando a consolidação da democracia no País.
JC - O que será mais difícil, o trabalho da Comissão da Verdade ou a aprovação do marco regulatório das comunicações?
Erundina - Colocaria no mesmo patamar de dificuldade. O governo tem que ser mais ousado, mais independente, afrontar mais, sobretudo, se isso tem sintonia com os anseios da sociedade. Certamente, o marco regulatório começa a despertar essa sintonia, a partir do debate e da democratização dessa discussão com a sociedade. Qualquer cidadão é capaz de entender e opinar sobre a forma como quer que ocorram as comunicações no País. Uma questão mais polêmica é a apuração dos crimes da ditadura, mas poderíamos nos inspirar em países como a Argentina, Uruguai e Chile, que avançaram muito mais. Não completaremos a nossa redemocratização sem passar a limpo essa história. Devemos fazer isso, não só no sentido de punir, mas pelo menos para esclarecer aqueles que efetivamente são responsáveis por crimes de assassinato, desaparecimento, de estupro, de desrespeito aos direitos humanos fundamentais. É necessária uma nova interpretação da Lei da Anistia, de 1979. Os criminosos da ditadura estão anistiados, enquanto outros países já inclusive anularam esse caráter de suas leis de anistia.
JC - O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu por não alterar a legislação brasileira sobre a anistia.
Erundina - Manteve a interpretação de 1979, alegando que (na época) houve um amplo debate sobre o tema e isso não é verdade. Os militares ainda estavam no poder e, de outro lado, a sociedade civil estava dando os primeiros passos no processo de democratização do País. A Constituição de 1988 veio muito depois. Vivemos num novo marco institucional que teria que adequar essa legislação à Constituição Federal. Lamentavelmente, foi mantida como está porque o STF também não tem sido suficientemente atento ao que a sociedade espera, especialmente aquele segmento que foi atingido de forma mais direta e mais dolorosa por esses crimes. Os familiares aguardam notícias pelo menos das ossadas dos seus irmãos, maridos e mulheres. Isso vai ficar como uma sombra na história democrática do País, é uma ferida aberta e não está sendo fácil. Somos poucos os que estão abraçando essa causa.
JC - Qual é sua expectativa sobre os trabalhos da Comissão da Verdade?
Erundina - Estamos organizando segmentos da sociedade, dos familiares, dos resistentes da ditadura e dos defensores dos direitos humanos para acompanharmos numa organização paralela aquilo que vier a acontecer na Comissão da Verdade. Ela foi criada contrariando inclusive uma análise crítica que os familiares e especialistas fizeram, não foram aceitas as emendas para aperfeiçoar a matéria. É um absurdo que militares integrem a comissão, mas já requeri uma subcomissão da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados que vai atuar pluripartidariamente no acompanhamento da comissão. Também haverá essa comissão da sociedade civil, simultânea à Comissão da Verdade, com personalidades, lideranças e pessoas historicamente comprometidas com essa causa, e vamos avançando, criando outras iniciativas. Enquanto a comissão funciona em ambiente fechado e restrito, nós vamos tentar abrir e dar um caráter mais público, plural e transparente.
JC - Com relação ao marco regulatório, como fazer a matéria avançar no Congresso Nacional, já que muitos deputados e senadores são concessionários de rádio e televisão?
Erundina - São pessoas que têm muito receio de desagradar certos setores da mídia porque consideram que isso iria atrapalhar as suas pretensões eleitorais e a divulgação de suas realizações. É preciso ter certa autonomia e independência para assumir essas causas e intervir nelas. O que me possibilita isso é o vínculo do mandato com os movimentos sociais e a sociedade civil. É a partir daí que se potencializam os parlamentares que estiverem em torno dessas questões, aumentando a nossa capacidade de intervenção e de conseguir alguma mudança no âmbito desse poder que é muito resistente e conservador a algum nível de ousadia e de risco para dar repostas que são absolutamente justas, necessárias e já estão em grande atraso.
JC - A senhora acredita que há possibilidade real de o tema prosperar?
Erundina - Sim. E se percebe que a primeira Conferência Nacional de Comunicação (em 2009) foi um marco. De lá para cá, esses debates começaram a acontecer. Levamos três anos para conquistar a conferência e realizá-la. A tese da necessidade do novo marco regulatório se coloca com mais força. O governo está sendo obrigado a dar explicações porque ainda não mandou a proposta. Promete que vai encaminhar dentro de algum tempo e colocar em consulta pública a proposta que estariam gestando no âmbito do Ministério das Comunicações, mas tudo é muito lento. Se se pode contabilizar algum resultado, que é ampliar a compreensão da sociedade sobre a importância estratégica dessa discussão, isso é fruto do envolvimento de setores organizados da sociedade civil. É uma questão que tem incidência direta e real no cotidiano da vida das pessoas.
Jornal do Comércio - Que relação a senhora faz entre a regulação das comunicações e a apuração dos crimes cometidos na ditadura militar, já que em ambas as situações trata-se do direito à informação?
Luiza Erundina - Esses temas enfrentam muita resistência da maioria dos parlamentares porque são polêmicos, implicam compromissos com essas questões e nem sempre os partidos têm esses compromissos. Não se enfrenta a relação com a mídia, como encaminhar a regulação. Em relação às Forças Armadas, o governo brasileiro não tem tido a ousadia de outros países no sentido de trazer a verdade, resgatar a memória histórica e fazer justiça. Recentemente, Argentina e Uruguai fizeram novas condenações por crimes de lesa humanidade. O governo não tem tido coragem para enfrentar essas polêmicas e isso termina atrasando a consolidação da democracia no País.
JC - O que será mais difícil, o trabalho da Comissão da Verdade ou a aprovação do marco regulatório das comunicações?
Erundina - Colocaria no mesmo patamar de dificuldade. O governo tem que ser mais ousado, mais independente, afrontar mais, sobretudo, se isso tem sintonia com os anseios da sociedade. Certamente, o marco regulatório começa a despertar essa sintonia, a partir do debate e da democratização dessa discussão com a sociedade. Qualquer cidadão é capaz de entender e opinar sobre a forma como quer que ocorram as comunicações no País. Uma questão mais polêmica é a apuração dos crimes da ditadura, mas poderíamos nos inspirar em países como a Argentina, Uruguai e Chile, que avançaram muito mais. Não completaremos a nossa redemocratização sem passar a limpo essa história. Devemos fazer isso, não só no sentido de punir, mas pelo menos para esclarecer aqueles que efetivamente são responsáveis por crimes de assassinato, desaparecimento, de estupro, de desrespeito aos direitos humanos fundamentais. É necessária uma nova interpretação da Lei da Anistia, de 1979. Os criminosos da ditadura estão anistiados, enquanto outros países já inclusive anularam esse caráter de suas leis de anistia.
JC - O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu por não alterar a legislação brasileira sobre a anistia.
Erundina - Manteve a interpretação de 1979, alegando que (na época) houve um amplo debate sobre o tema e isso não é verdade. Os militares ainda estavam no poder e, de outro lado, a sociedade civil estava dando os primeiros passos no processo de democratização do País. A Constituição de 1988 veio muito depois. Vivemos num novo marco institucional que teria que adequar essa legislação à Constituição Federal. Lamentavelmente, foi mantida como está porque o STF também não tem sido suficientemente atento ao que a sociedade espera, especialmente aquele segmento que foi atingido de forma mais direta e mais dolorosa por esses crimes. Os familiares aguardam notícias pelo menos das ossadas dos seus irmãos, maridos e mulheres. Isso vai ficar como uma sombra na história democrática do País, é uma ferida aberta e não está sendo fácil. Somos poucos os que estão abraçando essa causa.
JC - Qual é sua expectativa sobre os trabalhos da Comissão da Verdade?
Erundina - Estamos organizando segmentos da sociedade, dos familiares, dos resistentes da ditadura e dos defensores dos direitos humanos para acompanharmos numa organização paralela aquilo que vier a acontecer na Comissão da Verdade. Ela foi criada contrariando inclusive uma análise crítica que os familiares e especialistas fizeram, não foram aceitas as emendas para aperfeiçoar a matéria. É um absurdo que militares integrem a comissão, mas já requeri uma subcomissão da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados que vai atuar pluripartidariamente no acompanhamento da comissão. Também haverá essa comissão da sociedade civil, simultânea à Comissão da Verdade, com personalidades, lideranças e pessoas historicamente comprometidas com essa causa, e vamos avançando, criando outras iniciativas. Enquanto a comissão funciona em ambiente fechado e restrito, nós vamos tentar abrir e dar um caráter mais público, plural e transparente.
JC - Com relação ao marco regulatório, como fazer a matéria avançar no Congresso Nacional, já que muitos deputados e senadores são concessionários de rádio e televisão?
Erundina - São pessoas que têm muito receio de desagradar certos setores da mídia porque consideram que isso iria atrapalhar as suas pretensões eleitorais e a divulgação de suas realizações. É preciso ter certa autonomia e independência para assumir essas causas e intervir nelas. O que me possibilita isso é o vínculo do mandato com os movimentos sociais e a sociedade civil. É a partir daí que se potencializam os parlamentares que estiverem em torno dessas questões, aumentando a nossa capacidade de intervenção e de conseguir alguma mudança no âmbito desse poder que é muito resistente e conservador a algum nível de ousadia e de risco para dar repostas que são absolutamente justas, necessárias e já estão em grande atraso.
JC - A senhora acredita que há possibilidade real de o tema prosperar?
Erundina - Sim. E se percebe que a primeira Conferência Nacional de Comunicação (em 2009) foi um marco. De lá para cá, esses debates começaram a acontecer. Levamos três anos para conquistar a conferência e realizá-la. A tese da necessidade do novo marco regulatório se coloca com mais força. O governo está sendo obrigado a dar explicações porque ainda não mandou a proposta. Promete que vai encaminhar dentro de algum tempo e colocar em consulta pública a proposta que estariam gestando no âmbito do Ministério das Comunicações, mas tudo é muito lento. Se se pode contabilizar algum resultado, que é ampliar a compreensão da sociedade sobre a importância estratégica dessa discussão, isso é fruto do envolvimento de setores organizados da sociedade civil. É uma questão que tem incidência direta e real no cotidiano da vida das pessoas.
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