Aprovada antes do recesso, nova composição do colegiado, desativado
desde 2004, tem entre representantes da sociedade civil porta-voz de
Sarney e dono de rede de televisão; Entidades protestam
A deputada Luiza Erundina não entendeu como José Sarney incluiu o assunto na pauta sem comunicar os colegas.
São Paulo – Aprovada no último dia do semestre legislativo, a nova composição do Conselho de Comunicação Social surpreendeu até mesmo os novos integrantes e incluiu o ex-porta-voz do presidente da Casa, José Sarney (PMDB-AP), e representante das empresas de comunicação em vagas que caberiam à sociedade civil. O processo de eleição foi questionado por entidades que militam no setor.
Criado em 1991 (governo Fernando Collor) pela Lei 8.389, instalado pela primeira vez em 2002 e desativado desde 2004, o colegiado, com 13 integrantes, deve formular estudos e pareceres, entre outros, sobre a liberdade de manifestação e de pensamento, a propaganda comercial e o monopólio ou o oligopólio nos meios de comunicação. A reativação era um antigo anseio de setores da sociedade que pedem um debate sobre a democratização do setor, mas a aprovação, feita de surpresa na última terça-feira (17), não foi exatamente agradável para militantes e deputados que queriam opinar sobre a nomeação dos integrantes. Por lei, cabe à Mesa Diretora do Senado, comandada por Sarney, empresário de comunicação no Norte e no Nordeste, a definição dos membros do colegiado.
Indicado como representante dos radialistas, o presidente do sindicato da categoria em Minas Gerais, José Catarino do Nascimento Silva, disse ter sido surpreendido. “Até agora (hoje, 19), nem comunicado fui”, afirmou. Ele disse, inclusive, concordar com a ressalva feita pelo Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC) sobre a indicação dos radialistas ter sido feita “sem diálogo com a atual gestão da Fitert (federação nacional)”. Segundo Nascimento, a entidade deveria ter sido consultada. “A primeira coisa que vou fazer é ter contato com a Erundina e com os companheiros do FNDC.” A deputada Luiza Erundina (PSB-SP) é coordenadora da Frente Parlamentar pela Liberdade de Expressão, e Nascimento quer consultá-la para saber, inclusive, se deve ou não se manter como titular do colegiado.
Na quarta-feira (18), a deputada federal Luiza Erundina, que preside a Frente Parlamentar pela Liberdade de Expressão, afirmou haver recebido com “estranheza e perplexidade” a informação de que havia sido aprovada a nova composição do conselho. “A votação dessa matéria se deu numa sessão do Congresso convocada com um único ponto de pauta, ou seja, o Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias, às vésperas do recesso parlamentar. O item sobre o CCS deve ter sido incluído como extra-pauta, sem discussão e à revelia da maioria dos parlamentares, provavelmente com o conhecimento apenas dos líderes de bancada presentes à referida sessão”, diz comunicado emitido em nome de toda a frente.
Segundo a nota, o grupo de deputados e senadores encaminhou a Sarney em fevereiro deste ano uma lista com sugestões de nomes da sociedade civil. “Manifestamos nosso veemente repúdio pela forma desrespeitosa e antidemocrática como o Presidente do Senado tratou, neste caso, os parlamentares e representantes de mais de cem entidades da sociedade civil que integram a Frentecom.”
O presidente do Sindicato Interestadual dos Trabalhadores na Indústria Cinematográfica e do Audiovisual (que abrange Norte, Nordeste e Sudeste, com exceção de São Paulo), Luiz Gerace, o Chacra, contou que o seu nome foi indicado quatro anos atrás. Depois, não ouviu mais falar do assunto. “Hoje (19) recebi um telefonema de uma pessoa do Senado, para confirmar o endereço.”
No ano passado, Chacra chegou a receber um telefonema do vice-presidente da TV Globo, Evandro Guimarães, que estaria preocupado com a possibilidade da entrada de grupos estrangeiros no mercado brasileiro. “A gente defende o amplo direito de expressão audiovisual. Sem-terra pode produzir, o índio pode, os periféricos”, diz o sindicalista, que chama a atenção para a “precarização violenta” do profissional do setor, sem direitos como carteira assinada, piso salarial, jornada ou 13º.
Um dos conselheiros que tomará posse em 9 de agosto é Fernando Cesar Mesquita, porta-voz de Sarney no período em que o senador foi presidente da República (1985-1990). Mesquita, hoje diretor de Comunicação do Senado, é um dos cinco representantes da sociedade civil nomeados pelo parlamentar. Questionado sobre o porquê de preencher a vaga no colegiado, ele classifica como “bobagens” as críticas feitas pela Frente Parlamentar pela Liberdade de Expressão e diz que foram escolhidos os nomes “mais representativos”. “Tenho uma história, sou jornalista a vida toda. Tenho experiência muito grande na área pública. Fui diretor de O Estado de S. Paulo, do Jornal do Brasil. Represento porque contribuo como cidadão”, afirma.
Mesquita diz não querer emitir opiniões precipitadas e não antecipa quais temas pretende abordar nos debates. Mas, quando perguntado sobre qual opinião pretende levar ao conselho sobre o controle de canais de rádio e de televisão por políticos, prática vedada pela Constituição, mas que na prática é comum, ele se sai com a afirmação de que a legislação não permite a prática: “Hoje os políticos não podem mais ser proprietários. Há parentes que são, mas eles não são.” Parentes, no popular, são os “laranjas” que permitem a burla à legislação.
Outro que entrou na cota de representantes da sociedade civil foi um empresário de comunicação, setor que já tem assento reservado no conselho. João Monteiro de Barros Filho é dono da RedeVida de Televisão, sediada em São José do Rio Preto, no interior paulista, e com retransmissoras de conteúdo religioso espalhadas pelo país. Segundo a página da emissora, Filho e o presidente do Congresso são velhos conhecidos: “A ideia de formar a RedeVida de Televisão nasceu durante o governo do presidente José Sarney. Na época, a disputa pelo canal 11 de São José do Rio Preto foi grande e o jornalista barretense representava o segmento mais fraco, mas tinha a promessa do presidente e uma fé imensa.”
Por telefone, Barros Filho preferiu não opinar sobre sua nomeação para o conselho:
– “Fala com meu filho, Barros Neto, que ele está acompanhando melhor essas reuniões.”
– “Mas o nome que consta como conselheiro é o seu, João Monteiro de Barros Filho”, responde o repórter.
– “Ele é João Monteiro também.”
Com a palavra, o filho de Filho: “Penso que ele está convidado como representante da sociedade civil. E neste sentido ele se enquadra completamente”, diz, negando que a nomeação de seu pai fosse mais adequada na cadeira de representante dos empresários. “A grande virtude do meu pai participar desse conselho, como membro da sociedade civil, é por causa das características pessoais. É um jornalista que começou a trabalhar em 1955, que atua no rádio, no jornal e também atuou fundando uma rede de televisão. Com valores e princípios morais, éticos, cívicos.”
A composição do Conselho de Comunicação Social
Uma das questões que podem ser debatidas pelo conselho é a regulação da comunicação, abordando mecanismos para desconcentrar as concessões de rádio e televisão e a distribuição das verbas de publicidade. A respeito do assunto, Barros Neto informa que Barros Filho considera que o setor já está regulamentado, mas existe necessidade constante de debater aperfeiçoamentos para acompanhar a evolução tecnológica e da sociedade. Ele afirma ainda que seu pai está disposto a debater a possibilidade de restrições na veiculação de conteúdo religioso utilizando emissoras: “Tudo pode ser discutido. Não tem nada que não deva ser discutido”.
Em nota, o Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC) classificou como “antidemocrática e preconceituosa” a escolha dos integrantes, que poderiam ajudar a impulsionar o debate sobre democratização da comunicação. A entidade lamentou o fato de a direção da Fitert não haver sido consultada sobre a vaga para a qual seu ex-presidente foi nomeado e a exclusão das mulheres, que não ocupam nenhum dos 13 assentos permanentes.
“Um Conselho que deveria servir para auxiliar o Parlamento, e que reúne entre suas funções avaliar questões ligadas à liberdade de manifestação do pensamento, da criação, da expressão e da informação, além de emitir pareceres e recomendações ligadas à produção e programação de emissoras de rádio e televisão, não deve - e não pode jamais - prescindir da participação de uma representação coerente da sociedade civil à altura de tão complexas e estratégicas responsabilidades”, diz o comunicado.
Os outros três representantes da sociedade civil no Conselho de Comunicação Social são Miguel Ângelo Sampaio Cançado, tesoureiro do Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e presidente da seção de Goiás da entidade; dom Orani João Tempesta, arcebispo do Rio de Janeiro; e o professor de Direito Ronaldo Lemos, da Fundação Getúlio Vargas, coordenador do Centro de Tecnologia e Sociedade da FGV.
O representante das empresas de televisão é Gilberto Carlos Leifert, diretor da Central Globo de Relações com o Mercado. Ele também é presidente do Conselho de Autorregulamentação Publicitária (Conar), cargo para o qual foi reeleito recentemente. O conglomerado está representado ainda por Alexandre Kruel Jobim, vice-presidente jurídico da RBS, “mais antiga e maior afiliada da Rede Globo”, como informa a empresa em seu site. Filho do ex-ministro Nelson Jobim, o executivo representa as empresas de imprensa escrita (veja a relação completa dos titulares no quadro).
O presidente do Sindicato dos Artistas (Sated) do Rio de Janeiro, Jorge Coutinho, também foi surpreendido pela notícia. “Houve uma conversa um bom tempo atrás em relação a isso, no ano passado.” Segundo ele, “uma pessoa do Senado” o convidou para o cargo. “Para mim, isso nem existia a mais.” A indicação do Sated também foi criticada pelo FNDC – para a entidade, isso representou um “privilégio” a um sindicato do setor. “Não sei se outros foram convidados”, diz Coutinho, acrescentando ter boa relação com o sindicato da categoria em São Paulo. “Acho que é da maior importância discutir os caminhos da comunicação. No momento, estamos órfãos culturalmente. A vitrine da cultura não pode ser a TV Globo ou a TV Record. Cada estado deve ter a sua vitrine.”
O tesoureiro da OAB, Miguel Cançado, soube da eleição pela reportagem. “Acho que nem a OAB foi comunicada”, comentou. Segundo ele, sua indicação foi feita há mais de um ano. Sobre as atividades do órgão, o advogado disse que preferia se informar mais sobre o processo antes de falar a respeito. “O conselho tem uma função importante na estrutura de comunicação do país.”
Por: João Peres e Vitor Nuzzi, da Rede Brasil Atual - 19/07/2012
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