por Júlia Rabahie, da RBA
publicado
15/07/2013
Para deputada federal, de nada adiantam os levantamentos feitos pelas
comissões da verdade se torturadores não forem responsabilizados por
seus crimes
São Paulo – A deputada federal Luiza Erundina (PSB-SP) disse hoje (15) que o governo federal faz pouco para contribuir com o resgate da verdade sobre o período da ditadura brasileira (1964-1985). Reforçando sua oposição à Lei da Anistia, Erundina defendeu que torturadores sejam responsabilizados por seus crimes, e afirmou ser papel da sociedade civil pressionar o governo nesta direção.
“Não estou cobrando a Comissão da Verdade diretamente, mas o governo brasileiro, a sociedade brasileira, temos que nos manifestar, porque o próprio governo – que não é o governo da direita, das forças da ditadura – o nosso governo mesmo tem feito muito pouco para que essa verdade venha à tona.”
A afirmação veio na audiência pública da Comissão Nacional da Verdade (CNV) que ouviu depoimentos de trabalhadores rurais e lideranças ligados às Ligas Camponesas perseguidos na ditadura. A audiência ocorreu no município de Sapé, na zona da mata paraibana, e contou com a presença da integrante da CNV e coordenadora do grupo de trabalho que investiga violações de direitos humanos contra índios e camponeses, Maria Rita Kehl.
Para Erundina, se os responsáveis por desaparecimentos, torturas e mortes não forem identificados e julgados por seus crimes, os esforços e resultados adquiridos através dos trabalhos das comissões da verdade estaduais e nacional serão em vão. “Se os torturados não forem julgados ou não disserem quem mataram, torturaram e onde ocultaram seus cadáveres em depoimentos públicos, de nada adiantará esta luta, de nada adiantará os esforços da Comissão da Verdade.”
A deputada questionou os “resultados concretos” dos documentos e testemunhos apurados. “Muito já se apurou, muitos testemunharam, são vários os livros que o governo já publicou. Não está na hora de levantar os resultados concretos, não está na hora de dizer chega?”. Erundina afirmou que o cenário no qual os camponeses eram perseguidos por lutarem por reforma agrária, décadas atrás, não sofreu mudanças estruturais. “A concentração de terra continuou, o assassinato dos trabalhadores rurais continua, o trabalho escravo continua e reservas indígenas continuam sendo roubadas.”
Erundina é autora de um projeto de lei que altera a Lei da Anistia (6683/79), o PL 573, de 2011, que exclui do rol de crimes anistiados após a ditadura aqueles cometidos por agentes públicos, militares, ou civis, contra pessoas que praticaram crimes políticos. “A Lei da Anistia brasileira é inconstitucional. Foi uma lei que anistiou todo mundo. Faço aqui um apelo muito forte, eu não sairia em paz se não fizesse esse desabafo. Vamos para a rua pedir Justiça! Estou na minha terra, eu deixei a minha terra natal, a minha Paraíba, por conta dessa luta, por defender reforma agrária e a luta dos camponeses", disse.
Verdadeiros
A Lei da Anistia garante anistia política a todos os que cometerem “crimes políticos ou conexos com estes”, inclusive os agentes da repressão. A integrante da CNV Maria Rita Kehl afirmou que “crimes de lesa-humanidade são imprescritíveis e permanentes”.
Após ouvir os depoimentos, ela se disse tocada com os testemunhos. “É emocionante ouvir depoimentos totalmente verdadeiros. É muito diferente escutar depoimentos vividos por quem quer falar a verdade e escutar aqueles de quem ainda tem coragem de inventar para nós. Por isso, agradeço a generosidade.”
Em maio deste ano, em depoimento dado à CNV, o coronel reformado Carlos Alberto Brilhante Ustra disse que no período em que ele comandou o DOI-Codi de São Paulo, entre 1970 e 1974, não houve nem mortes nem estupros de presos políticos em suas dependências. Ele disse que sua atuação nos órgãos de repressão reproduzia ordens do comando do Exército eu "os terroristas foram mortos em combate".
Depoimentos
O ex-deputado e ex-presidente da Federação das Ligas Camponesas da Paraíba Francisco de Assis Lemos depôs sobre o desaparecimento de dois líderes camponeses, em abril de 1964 – Nego Fuba e Pedro Fazendeiro. Segundo Lemos, Fuba foi preso com ele, dias após o golpe. Solto em 7 de setembro pelo Exército, teria sido entregue nas mãos de policiais militares e nunca mais foi visto. Fazendeiro, também preso pouco tempo depois do golpe, nunca mais foi visto.
Ophelia Amorim, advogada que defendeu integrantes das Ligas Camponesas no final da década de 1950 e ao longo dos anos 1960, contou que os camponeses, além do latifúndio, enfrentavam oposição da igreja católica que, na região, proliferava o medo entre os agricultores, dizendo que as ligas tinham ideologias comunistas, e que os camponeses que aderissem a elas seriam excomungados. Os padres da região também disseminavam que as moças seriam estupradas e as crianças, mortas, afirmou a advogada. Ophelia trabalhava na Superitendência da Reforma Agrária, atual Instituto de Colonização e Reforma Agrária (Incra).
“ Não era uma luta apenas contra o latifúndio, mas também ideológica, contrariando tudo o que pregavam para acabar com o movimento camponês. Era contra a religião, contra o sistema, contra pessoas que repudiavam quem ia para a briga”, disse. As Ligas Camponesas foram o movimento pela reforma agrária no país com mais força e importância até o golpe militar, em 1964, quando grande parte de seus líderes foi perseguida e presa.
Nenhum comentário:
Postar um comentário