É necessário atentar para as peculiaridades de cada caso, de modo a evitar o uso desse instrumento por aqueles que adotam práticas mesquinhas
A Lei da Ficha Limpa representa importante conquista da sociedade civil, mas é insuficiente para corrigir as imperfeições que causam graves distorções ao nosso sistema político, o que requer uma ampla e profunda reforma política.
Ao vetar a participação em eleições daqueles que, comprovadamente, transigiram eticamente no exercício de cargo público ou mandato eletivo, referida lei atende aos reais e legítimos anseios da sociedade, que clama por ética na política. Assim sendo, devemos defendê-la e saudar a decisão do Supremo Tribunal Federal pela sua aplicação já nas eleições de 2010.
Contudo, é necessário atentar, em sua aplicação, para as peculiaridades de cada caso, de modo a evitar eventuais injustiças e o uso desse instrumento legal por aqueles que adotam práticas mesquinhas e antidemocráticas.
Citaria, como exemplo, os casos de João Capiberibe e de Janete Capiberibe, ex-senador e atual deputada federal pelo Estado do Amapá, respectivamente. Ambos símbolos da luta contra a ditadura militar e considerados reservas morais da política brasileira.
Eleito duas vezes governador do Amapá e deputada federal por dois mandatos, enfrentam os coronéis da política local, tendo realizado governos éticos e competentes, de combate à corrupção, enfrentamento da miséria e preservação dos recursos naturais daquele Estado.
Foram eleitos em 2002, ele senador, ela deputada federal, apesar da renhida perseguição do grupo político que disputa o controle do poder no Estado. Tendo destacada atuação no Congresso, João é autor do projeto que deu origem à lei da transparência, importante instrumento de combate à corrupção na administração pública.
Diante desse histórico de compromisso com a democracia, com a ética e com o interesse público, é incompreensível e absolutamente inaceitável a cassação, em 2005, dos seus mandatos por alegação de corrupção eleitoral, baseada em falso testemunho de duas eleitoras que diziam ter vendido seus votos aos dois candidatos por R$ 26, a serem pagos em duas parcelas. É, no mínimo, ridícula essa denúncia.
Em 2010, novamente eleitos senador e deputada federal, com expressivo número de votos, estão ameaçados de ter seus mandatos mais uma vez cassados, agora com base na Lei da Ficha Limpa, em razão da primeira condenação.
Além de ser injusto terem que pagar duas vezes por um "crime" que não cometeram, isso significa uma clara violação da vontade soberana dos cidadãos amapaenses, que, em duas eleições livres e democráticas, elegeram Capi e Janete para representá-los no Congresso. Confiamos que, dessa vez, os recursos por eles impetrados no TSE e no STF sejam deferidos, para que se devolvam ao povo do Amapá os mandatos que conferiu aos seus ilustres representantes, João e Janete Capiberibe.
Aos dois, nossa irrestrita solidariedade, confiante de que a soberania do voto popular será respeitada pelas instâncias superiores do Poder Judiciário.
LUIZA ERUNDINA é deputada federal (PSB-SP). Foi vereadora, deputada estadual, prefeita de São Paulo e ministra-chefe da Secretaria da Administração Federal (governo Itamar).
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