A promessa do governo federal de colocar em votação na próxima semana
o projeto que cria a Comissão Nacional da Verdade no Brasil ainda
divide opiniões dentro e fora do Congresso Nacional.
Nesta quarta-feira
(14) o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, articulador político
dos votos para aprovação do texto, pleiteava o “sim” do Democratas
(DEM). No mesmo dia, deputados críticos ao projeto tentavam colocar em
pauta, na Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional da Câmara,
outro projeto para revisar a Lei de Anistia.
Na avaliação da deputada Luiza Erundina (PSB-SP), a aprovação
conjunta dos dois projetos é fundamental, uma vez que o texto da
Comissão da Verdade contém falhas que “não farão justiça às vítimas da
ditadura militar”. Já para o professor de Direito da PUC-RS e
conselheiro da Comissão de Anistia, José Carlos da Silva Filho, mesmo
com falhas no texto, o Brasil não pode perder o momento politicamente
propício para aprovação do projeto.
O governo investe em um acordo entre as lideranças da base aliada
para aprovar a Comissão da Verdade em regime de urgência urgentíssima.
Segundo o Ministério da Defesa, 16 partidos estão de acordo. PSDB, PPS e
PV manifestaram apoio. Faltaria apenas convencer o DEM para garantir
maioria. Segundo um representante da sigla, os democratas não se opõem à
instalação da comissão, mas se preocupam quanto à escolha de seus sete
integrantes. Há uma possibilidade de o partido votar com o governo,
exigindo a ampliação do período a ser investigado.
Na opinião dos críticos, porém, este é justamente um dos pontos que
faz com que a Comissão da Verdade não seja efetiva. “Os líderes estão
todos com o governo para aprovação do projeto em regime de urgência, sem
passar por comissão nenhuma e sem chance para acréscimos nos pontos que
alegamos serem falhas do texto. O período de 1946 a 1985 sugerido no
projeto é muito amplo para o número de integrantes previstos na
Comissão”, questiona a deputada Luiza Erundina.
Projeto de Erundina “pode atrapalhar”
Outra crítica da deputada é a presença das Forças Armadas dentro da
futura Comissão. “É uma proposta que não faz justiça aos desaparecidos e
mortos na ditadura. Faremos uma redemocratização incompleta no Brasil”,
fala. Para que a verdadeira anistia aos perseguidos políticos seja
feita no país, Erundina defende a aprovação de um projeto de sua
autoria, o PL 573/2011, que exclui da anistia crimes cometidos por
agentes de Estado. “É uma maneira de alterar a Lei de Anistia, dando a
interpretação autêntica a esta lei, retirando os torturadores do direito
de serem anistiados”, argumenta.
O relator do projeto, deputado Hugo Napoleão (DEM-PI) defende o
arquivamento do projeto e a consequente absolvição de agentes públicos
que praticaram crimes como a tortura. Segundo informações da banda do
PSOL na Câmara Federal, “existe um movimento do Palácio do Planalto para
não aprovação deste projeto”, porque atrapalharia a aprovação da
Comissão da Verdade. Por esta razão, o deputado Ivan Valente (PSOL-SP)
apresentou voto em separado, defendendo a aprovação do texto de
Erundina. Na sessão desta quarta, o parlamentar tentou colocar o tema em
pauta, mas 12 deputados votaram contra.
Urgência pode ser estratégica
A aprovação sem debates incomoda pessoas ligadas ao combate à
ditadura. Em defesa da tática, o governo argumenta que, se o projeto
começar a ser discutido em profundidade no Congresso, as opiniões
poderiam se radicalizar, colocando em risco sua aprovação.
“Existe a possibilidade de avanço com esta Comissão. Há um consenso
pela aprovação porque há a condenação internacional feita ao Brasil e a
Comissão da Verdade poderia ser uma forma de dar alguma resposta às
exigências internacionais”, fala o professor de História da PUC-RS e
conselheiro da Comissão de Anistia, José Carlos da Silva Filho. Porém,
ele alerta que, mais do que a existência da Comissão, é necessário ficar
atento sobre a direção em que ela irá. “O fato do Brasil ter uma
Comissão da Verdade poderá trazer o debate para a sociedade de forma a
aumentar as chances de podermos discutir posteriormente a penalização
dos torturadores. Foi assim na Argentina”, compara.
A falta de previsão de pena aos que cometeram crimes contra a
humanidade durante a ditadura militar na lei da Comissão da Verdade pode
fazer com que a Corte Interamericana de Direitos Humanos intensifique a
cobrança para com o Brasil, acredita o conselheiro José Carlos. Ele
entende que isso é bom, uma vez que não é uma obrigação apenas do
governo federal rever a Lei de Anistia no Brasil. “Por isso, o apoio da
sociedade na aprovação da Comissão da Verdade é importante agora.
Poderemos aumentar o debate depois de aprová-la”, acredita.
Apesar de reconhecer os pontos falhos do projeto, ele acredita que as
forças políticas contrárias à divulgação da memória do regime de
exceção poderiam se aproveitar da prorrogação da aprovação. “Existem
forças políticas agindo de forma sigilosa ou explícita para atrapalhar a
instalação da Comissão. Episódios que evidenciam isso são, por exemplo,
a pressão sobre o Plano Nacional de Direitos Humanos que o ex-ministro
Paulo Vanuchi tentou aprovar e acabou causando racha com o Ministério da
Defesa, sofrendo alterações”, exemplifica.
A deputada Luiza Erundina, que dialoga com frequência com os
familiares de vítimas e com sobreviventes da Ditadura Militar, é menos
otimista quanto à garantia de que será possível mobilizar a sociedade
depois da aprovação. “Muitos são muito velhos ou já morreram. Além do
mais, há parte dos familiares que concorda com a aprovação do texto como
está e a outra metade quer manter a pressão para que o estado
brasileiro atenda a verdadeira justiça”, explica.
Por esta razão, a deputada irá votar contra o projeto da Comissão da
Verdade quando da votação. “A proposta como está sendo apresentada que
não irá revisar todos os casos de vítimas e opositores do regime daquela
época”, disse.
Enquanto a comissão não é instalada, organizações da sociedade civil
criaram mais de 20 “comitês da verdade” pelo país para discutir o tema,
pressionar o Congresso e levantar informações que possam subsidiar o
futuro grupo governamental.
Em julho, o Ministério da Justiça deu, a um grupo de 12 familiares de
mortos e desaparecidos políticos durante a ditadura militar
(1964-1985), acesso irrestrito a todos os documentos do Arquivo
Nacional. O trabalho deles também deve ajudar a comissão. Porém, o
integrante da Comissão de Anistia, José Carlos da Silva Filho, não tem
expectativas quanto a abertura de novos documentos da Ditadura Militar
com a futura Comissão da Verdade. “Não é este o foco central. O foco é o
papel político que ela terá para ajudar no trabalho que já fazemos em
outras instâncias como a Comissão de Mortos e Desaparecidos Políticos e a
Comissão de Anistia. Este tema é um terreno em disputa e não temos
clareza de qual será o resultado da instalação desta Comissão da
Verdade, mas o importante é aprovar agora”, defende.
*Rachel Duarte - Jornal Sul21 - 14/09/2011
Nenhum comentário:
Postar um comentário