13/6/1988
De olho nas disputas municipais, a então deputada Luiza Erundina expõe suas idéias para São Paulo, falando em especial de questões de habitação
Augusto Nunes: Boa noite. Começa aqui mais um Roda Viva pela TV Cultura de São Paulo. A nossa entrevistada do Roda Viva desta noite é a deputada Luiza Erundina. A deputada Luiza Erundina é paraibana, foi vereadora pelo PT [Partido dos Trabalhadores] em São Paulo e é, desde 1986, deputada estadual pelo mesmo partido. Tem 53 anos e é também, desde ontem, a candidata do PT às eleições municipais, que esperamos todos sejam realizadas este ano em todo país. Luiza Erundina vai disputar a prefeitura de São Paulo depois de ter vencido, em prévias nas quais votaram militantes do PT, o deputado Plínio de Arruda Sampaio [intelectual e militante político brasileiro. Foi autor do instituto do PT e um dos idealizadores dos seus núcleos de base. Em 1986 foi eleito deputado federal constituinte. Ficou nacionalmente conhecido por defender um modelo constitucional de reforma agrária que pretendia acabar com latifúndios]. A deputada teve 5544 votos e o deputado Plínio de Arruda Sampaio teve 3982 votos. Vão participar desta roda viva com a deputada Luiza Erundina os seguintes entrevistadores: Ana Maria Tarran, repórter da sucursal paulista do Jornal do Brasil; Boris Casoy, editor da coluna painel e membro de conselho editorial do jornal Folha de S. Paulo; José Márcio Mendonça, editorialista do Jornal da Tarde e comentarista político da rádio Eldorado e da Rede Bandeirantes de televisão; Mauro Chaves, editorialista do jornal O Estado de S. Paulo; Melquides Cunha Júnior, editor executivo da revista Afinal; Renato Faleiros, editor de política do Jornal da Cultura; Carlos Brickmann, editor chefe da Folha da Tarde; Lenildo Barbosa, editorialista do Jornal da Tarde. Também estará conosco, ao longo do programa registrando algumas das cenas aqui vividas, o cartunista Paulo Caruso. Deputada, a senhora tem reafirmado publicamente, conforme entrevistas recentes reafirmaram, que a senhora é formação marxista e defende a formação de um partido revolucionário de massas. A senhora não acha que bandeiras desse tipo podem assustar fatias consideráveis do eleitorado paulistano?
Luiza Erundina: Veja, eu acho que esta afirmação, ela foi levantada num contexto de afirmações que eu fazia aquele jornalista. Esta afirmação, num outro contexto, no contexto da fala que eu adotava na relação com este jornalista, ela tinha outro sentido. Quer dizer, seria ingenuidade minha, seria despreparo meu, inclusive em termos de conhecimento da realidade, a análise dessa realidade, imaginar que já há condições de correlação de forças e há condições, não só objetivas mas também subjetivas, de se propor uma ação revolucionária no Brasil etc. Uma coisa é adotar o marxismo como uma teoria filosófica, uma teoria sociológica, uma teoria econômica, inclusive pela minha formação. Eu tenho [graduação em] ciência sociais, além de serviço social. Para intervir profissionalmente nesta realidade, eu preciso de instrumento de análise, preciso de categorias teóricas para analisar e planejar a intervenção e ação nesta realidade. Então, eu entendo que o marxismo, a teoria do materialismo histórico, do materialismo dialético, eu acho que são elementos de teoria política que, a meu ver, são instrumentos indispensáveis para análise de realidade e, conseqüentemente, para se planejar intervenção nesta realidade.
Augusto Nunes: Deputada, para a senhora inclusive saber que esta pergunta atende à curiosidade de boa parte dos telespectadores. As primeiras duas perguntas que nós recebemos dizem respeito ao mesmo assunto. Quero saber se a senhora pretende fazer esclarecimentos adicionais a respeito delas. O Horácio Teles de Santana diz assim: “Como é que a senhora pretende fazer um governo marxista num país capitalista como o Brasil?” O Jaime de Souza Marcos, do jardins, diz: “O que a senhora teria para dizer à classe média de São Paulo que teve a oportunidade de ver suas declarações bem esquerdistas para a Folha de S. Paulo?”
Luiza Erundina: Veja, absolutamente não existe pretensão minha nem do meu partido de imaginar que uma vitória para administrar uma cidade, mesmo do porte da importância política de São Paulo, que isso signifique condições reais de implantar um governo socialista. Não temos esta pretensão e seria ingenuidade também pensar isso. Nós temos clareza dos limites desse governo, não estamos conquistando poder, estamos conquistando uma parcela de governo numa esfera do poder de estado limitada que é um poder local, poder municipal. Então, não temos pretensão de imaginar que para governar esta cidade se governa a partir plano socialista. Até porque não existe correlação de força na sociedade para dar sustentação a uma proposta desta [todos falam ao mesmo tempo].
Renato Faleiros: Só na seqüência, foi por isso que não deram certo, pelo menos na interpretação de próprios dirigentes petistas, as administrações de Fortaleza e de Diadema?
Luiza Erundina: Ao contrário, primeiro que essas duas administrações não se pretendem socialistas, são administrações democráticas e populares.
Renato Faleiros: Mas o próprio rompimento da prefeita Maria Luíza [Maria Luíza Fontenele, foi prefeita de Fortaleza de 1986 a 1989. Foi a primeira prefeita petista do município. Enfrentou diversas dificuldades para liberação de verba por parte dos governos federal e estadual por se integrante de um partido de oposição] , em Fortaleza, agora, foi por questões ideológicas.
Luiza Erundina: Mas não é por que não deu certo. As pesquisas de opinião estão revelando que estas administrações estão sendo aprovadas pela população e pelos trabalhadores. O que ocorreu na dificuldade com essas duas administrações não é pelo caráter dessa administração, não é pela proposta programática e administrativa dessas duas prefeituras, são dificuldades naturais de um partido que tem oito anos, que está se construindo com uma proposta de ser um partido socialista, de massas e democrático, tendo tarefas na sociedade que, em certas circunstâncias, conflitam com as tarefas desse mesmo partido à frente de uma administração. Isso gera conflitos, gera problemas que podem levar até aos extremos, como ocorreu com as duas prefeituras. Não é porque era uma administração socialista, ao contrário, são administrações dentro dos limites da institucionalidade que está dada aí. O que não exclui que seja uma administração que favorece, que estimula a organização independente dos trabalhadores. Até porque há a posição para que estas administrações se viabilizem em função das pressões que elas sofrem por parte de setores de sociedade que sempre foram os grandes beneficiários das administrações que privilegiam e priorizam os investimentos públicos no interesse da minoria.
Renato Faleiros: A senhora acha que pelo menos o caso de Fortaleza atende à expectativa do PT?
Luiza Erundina: Não que é atende à expectativa do PT, é que as administrações não se fazem à revelia do partido. A disciplina partidária do PT é uma questão de princípio. Todo programa desenvolvido em Fortaleza e em Diadema passam pelo crivo do partido em todas as suas instâncias. Não houve, em nenhum momento, pelo que me consta, seja Fortaleza seja em Diadema, desrespeito à linha programática do nosso partido. O que ocorreu foi dificuldade entre a relação partido administração não em relação ao caráter, à natureza da ação de governo dessas administrações [todos falam ao mesmo tempo].
Augusto Nunes: Deputada, por favor, antes que a senhora responda, vamos fazer o seguinte: vamos estabelecer certa ordem só para que todos possam fazer perguntas, por favor. A senhora responde ao Carlinhos, depois Mauro Chaves. Carlinhos.
Carlos Brickmann:: Saiu a cartilha agora. Foi publicada na revista Veja, nos jornais.
Luiza Erundina: Eu vi pela imprensa. Eu discordo dessa cartilha, do conteúdo dela. Ela não está absolutamente prevista e muito menos aprovada pelo partido. Ela apareceu e surgiu exatamente depois da ruptura da Maria Luiza com o partido. Então, eu acho que nem o partido e eu, muito menos, podemos assumir a responsabilidade por esta iniciativa ou por esse instrumento que esteja sendo utilizado por aquela prefeitura.
Augusto Nunes: Deputada, dessa vez, por favor, dessa vez a mulher não vai ter prioridade, Lenildo.
Leonildo Barbosa: Os chineses já andam dizendo que Marx não oferece soluções para o mundo moderno. A imprensa soviética chegou até a criticar o próprio Lenin [(1870 - 1924), foi um revolucionário russo líder do Partido Comunista que influenciou teoricamente todos os partios comunistas do mundo] dizendo que ele é responsável pelo estado totalitário soviético. Quando a senhora se proclama marxista não tem a orfandade ideológica?
Luiza Erundina: Acho que o próprio caráter do materialismo histórico supõe a sua atualização na história, no tempo, para acompanhar inclusive as mudanças, a dinâmica da realidade. A teoria marxista, seja na União Soviética ou outros contextos, ela tem que sofrer, até pela natureza que se propõe, de um ser um instrumento de análise da história e de transformação de realidade.
Leonildo Barbosa: Mas essa analise não deu certo em lugar nenhum, até agora.
Luiza Erundina: Olha, eu discordo dessa sua afirmação, eu acho que dentro dos limites da realidade objetiva e subjetiva de cada contexto, esta teoria, ela oferece elementos teóricos importantes, e metodológicos, de análise de compreensão da realidade.
Mauro Chaves: Gostaria de falar um pouco dessa prévia, é importante para o telespectador e para a gente saber as diferença fundamentais entre seu pensamento e pensamento do que foi seu concorrente do partido derrotado, Plínio de Arruda Sampaio. Seria verdade que sua posição é mais classista, que admite menos coligações com outros partidos, mais apoiado por uma ala radical de esquerda do PT e a posição do deputado Pires tinha uma posição mais aberta, capaz de fazer composição, coligações com outros partidos com uma candidatura a prefeito? Se não for esta diferença, qual seriam as diferença fundamentais entre seu pensamento e o dele? Em segundo lugar, se a senhora acha que, com a sua vitória, o PT terá melhor condições eleitorais do que se fosse o deputado Plínio?
Luiza Erundina: Veja, primeiro queria me referir ao caráter do nosso partido. É um partido de massa, um partido democrático que tem dentro de si diversas correntes de pensamentos e diversas ideologias, diversas concepções da conjuntura e da prática para essa conjuntura. Então, é possível conviver com divergências, até por que nós queremos que seja assim.
Mauro Chaves: Quais as diferenças, deputada, entre rápidas pinceladas, de um e outro?
Luiza Erundina: Eu vou chegar lá. Eu também entendo que o partido não deve se isolar politicamente. Eu apoio, eu assumo, eu me comprometo com a resolução do quinto encontro do nosso partido, que é a diretriz maior que define esta questão. Eu sou pelas coligações, pela aliança, só que eu delimito um pouco mais estas alianças em relação ao que o companheiro Plínio delimitou, pelo menos no seu documento, em alguns debates.
Augusto Nunes: Até onde a senhora vai, deputada, qual é a fronteira, até onde?
Luiza Erundina: Primeiro, alianças ou coligações se dão partir de programa, de uma proposta programática de plano de ação unitário e extrapolam, inclusive, a questão das ações municipais. O PT propõe alianças com forças que queiram se comprometer com estes programas, programas para governos municipais. Uma aliança em São Paulo suporia compromissos com programa para prefeitura de São Paulo.
Ana Maria Tahan: Com qual partido a senhora identifica? Existe algum partido que identifique as propostas entre PT e ele? Qual é esse partido?
Luiza Erundina: PC do B [Partido Comunista do Brasil] e PCB [Partido Comunista Brasileiro], não enquanto proposta tática desses partidos neste momento, mas pela história, pela evolução e pela trajetória desses partidos, a meu ver, eles têm uma identidade maior conosco, ideológica, estratégica, do que outros partidos que estão aí.
Ana Maria Tahan: Mas nas últimas eleições eles têm se coligado com o PMDB [Partido do Movimento Democrático Brasileiro] e não com o PT. A distância com o PT tem sido bem grande.
Luiza Erundina: Por isso nós defendemos, não de saída, não uma coligação com esses partidos, mas sim de uma força com mais identidade e mais possibilidade de se discutir uma eventual aliança com estes partidos, ao passo que outras forças que... Por exemplo, um critério [sendo interrompida], só para concluir, só para concluir.
Augusto Nunes: Um minutinho, Mauro um minutinho, por favor.
Luiza Erundina: Outro critério para que se discuta eventuais alianças é que haja uma clara oposição ao governo Sarney, à Nova República, ação conservadora. Mais do que isso, compromisso na construção de plano de ação para o país capaz de despertar a confiança, esperança e colocar uma perspectiva para a sociedade brasileira como única solução ou possibilidade de sair da crise que está colocada aí no conjunto do nosso país.
Augusto Nunes: Só para completar a roda, o Mauro registra o fato da senhora não responder a segunda parte da pergunta.
Mauro Chaves: Se a senhora acha que o PT, com a sua vitória em relação ao Plínio de Arruda Sampaio, vai ter condições eleitorais melhores?
Luiza Erundina: Sabe como a gente avalia as chances eleitorais do PT? Não é uma função do seu candidato, a gente acredita que nossas chances e possibilidades se dão a partir do nosso programa, da nossa proposta e nossa ação efetiva no movimento social. Por isso eu acho o que PT oferece estão condições, aí cabe ao candidato.
Mauro Chaves: Mais com a senhora do que com o deputado Plínio?
Luiza Erundina: Não necessariamente. Eu acho que aí foi uma disputa interna em torno de propostas e idéias que definiu esta decisão por maioria das bases do partido, mas não significa que este ou aquele seja capaz de determinar de tal forma o resultado ou as perspectivas eleitorais do nosso partido mais do que nossa proposta programática. Nós entendemos que ela vai se construir inclusive no processo de campanha. Nós não queremos um programa pronto, definitivo de saída, mas inclusive vamos usar um processo de construção de um programa que incorpore as sugestões, as reivindicações, as propostas da sociedade paulistana, não só daquele setor que temos mais identidades com ele. Então, acho que é indiferente. Se o companheiro Plínio tivesse saído candidato, as chances seriam as mesmas. Sendo eu, as chances são as mesmas, dependendo da capacidade política do partido e da sua condição de um programa confiável e capaz de mobilizar a vontade coletiva desta cidade, deste município, no sentido de viabilizar uma administração com efetiva participação popular, organizada nos mais diferentes organismos e formas de organização independente dos trabalhadores.
Boris Casoy: Uma pergunta clássica: a senhora acredita em Deus?
Augusto Nunes: Esta pergunta, deputada, é a mesma do Maurício, da Lapa, e do Rui Caputti, da Vila Madalena.
Luiza Erundina: [ri] Veja, eu procuro, na minha vida, separar...
Boris Casoy: [interrompendo] A senhora acredita ou na acredita? [risos]
Luiza Erundina: Espera aí Boris, calma. Não fique nervoso. [risos]
Boris Casoy: Estou ansioso, só.
Luiza Erundina: Eu procuro separar, na minha vida, a dimensão pessoal, individual. Eu acho esta questão aí, eu acho que diz respeito a mim individualmente como diz respeito a cada indivíduo.
Carlos Brickmann: Não deputada, não mesmo. Quando a senhora se declara marxista, a senhora está adotando uma filosofia que não é...
Luiza Erundina: [interrompendo] Não me declarei marxista, eu afirmei que adoto o marxismo como teoria política, como teoria econômica, como teoria sociológica [sendo interrompido]. Eu utilizo esta teoria como instrumento de análise da realidade, que orienta a minha intervenção enquanto profissional, enquanto militante político na intervenção dessa realidade.
Mauro Chaves: Com o que a senhora não adota o marxismo?
Luiza Erundina: No que eu não adoto o marxismo?
Mauro Chaves: É.
Luiza Erundina: Veja, se eu entendo que marxismo é uma teoria que serve como referência para análise e compreensão da realidade, a própria forma a intervir nessa realidade não é determinada por esta teoria.
Mauro Chaves: Eu disse claramente: no que a senhora não adota o marxismo, deputada Erundina?
Luiza Erundina: Olha, eu entendo que a sociedade, pelo menos a nossa sociedade, é uma sociedade de classes com interesses antagônicos contraditórios. Então, adotar a teoria marxista leva, necessariamente, a analisar essa composição social de uma sociedade de classes a uma ação que implica, necessariamente, ao antagonismo, à contradição e luta.
Mauro Chaves: A senhora não adota isso, então?
Luiza Erundina: Eu adoto isso.
Mauro Chaves: Então a senhora adota o marxismo integralmente?
Luiza Erundina: Adoto o marxismo integralmente.
Boris Casoy: A senhora não respondeu se acredita em Deus. Estou ansioso para ouvir sua resposta.
Luiza Erundina: Bom, o que é Deus? Deus pode ser, por exemplo, para o budista uma concepção, pode ser para o cristão outra concepção, para outra filosofia outra concepção. Então, eu tenho uma concepção de algo que transcende a existência humana até porque fica difícil entender toda a capacidade de criação do homem.
Boris Casoy: A senhora não é materialista?
Luiza Erundina: Não sou materialista. Eu acredito numa transcendência.
Mauro Chaves: A senhora adere ao marxismo espiritualista, é isso?
Luiza Erundina: Olha, eu separo as coisas. Uma coisa é teoria política, sociológica, econômica.
Mauro Chaves: O marxismo é abrangente.
Renato Faleiros: A senhora está exatamente negando a transcendência, negando Deus.
Luiza Erundina: Não necessariamente, eu não vejo assim. Eu discordo, eu acho que uma coisa é você ter uma filosofia de vida que determina a tua ética, que determina a forma de você conviver, determina tuas esperanças, tuas expectativas.
Boris Casoy: Então, a senhora acredita em Deus?
Luiza Erundina: Acredito numa força maior, pede chamar Deus, pode chamar... ou seja, há uma transcendência, que pode ser energia que se reproduz no universo, que se reproduz nas relações entre os seres da natureza, dos seres racionais. Eu entendo que o universo é algo tão complexo, tão transcendental, tão além das minhas capacidades de entendimento que pode se traduzir isso numa idéia de Deus.
Boris Casoy: Isso não quer dizer que a senhora seja uma pessoa religiosa?
Ana Maria Tuhan: A senhora tem uma religião? Isso é uma curiosidade.
Boris Casoy: Não confessa, não vai à igreja, não tem religião nenhuma?
Luiza Erundina: Não, não tenho prática religiosa, não vou à igreja.
Lenildo Barbosa: A senhora falou nos interesses antagônicos das classes. Segundo o marxismo, eles são mesmo antagônicos e inconciliáveis. Acontece que dentro do PT também existem capitalistas e existem patrões. Os interesses dessas pessoas, ou desses grupos dentro do PT são antagônicos em relação à base do partido?
Luiza Erundina: Não, eu acho que não existem capitalistas no PT, não existem posições antagônicas dentro do PT, existem divergências, existem concepções diferentes e existe a diversidade...
Leonildo Barbosa: [interrompendo] Todos são pobres e proletários no PT?
Luiza Erundina: Não, não significa que não ser capitalista é ser proletário. O trabalhador, de um modo geral, aquele que é explorado e aquele que não explora, eu acho que ele se identifica com nossa proposta partidária sem ter, necessariamente, que se colocar na posição de operário.
Renato Faleiros: Deputada, a senhora dizia, agora há pouco que, partir de agora, o partido vai preparar plataforma da campanha. Como é que isso vai ser feito do dentro do PT, já que em outras experiências, nas quatro, três eleições que o PT participou até agora, houve um tempo muito longo para se elaborar esta plataforma? A senhora está dizendo agora que esta plataforma pode ser elaborada durante a campanha, ao longo da campanha. Isso não ficou muito claro. Como é que isso vai ser feito numa cidade como São Paulo?
Luiza Erundina: Para nós, a gente não separa a campanha eleitoral da prática cotidiana do partido no movimento. E essa prática cotidiana do partido do movimento já por si gera políticas, gera propostas. É só esse momento de organizar, sistematizar esse acúmulo que o partido vem conseguindo através da militância de seus militantes e filiados do movimento e envolver amplamente a participação desses movimentos e suas lideranças, no sentido de co-substanciar estas propostas, essas visões da realidade. Este diagnóstico da realidade pode-se fazer até região por região e a cidade como um todo. Isso se traduz num programa, numa plataforma eleitoral que já passou, inclusive, pelo crivo da análise popular, da análise da população organizada e que facilita de muito, não só a defesa desse programa em relação a outros programas que estejam em disputa nesta campanha. Mais que isso, é um programa que já adquire uma legitimidade, uma credibilidade, que vai conseguir o apoio dessa população que se reconhece nesse programa quando ele estiver sendo implementado ou executado [todos falam ao mesmo tempo].
Augusto Nunes: Deputada, por favor, quando a senhora ouvir várias vozes, eu peço que a senhora olhe para mim. Eu vou completar a roda com o Melquides e depois José Márcio. Daí a palavra é livre. Daqui a pouco a gente encerra a primeira metade do programa.
José Márcio: A senhora disse no início, insistiu e usou umas quatro ou cinco vezes, a expressão “com relação de força”. A senhora se diz uma revolucionária, mas espera que as condições amadureçam para que a senhora implante seu projeto socialista. A senhora não acha que a senhora está marchando um pouquinho contra a história na medida em que a União Soviética, como lembrou o Lenildo, a China, estão fazendo exatamente o contrário, fazendo uma abertura, digamos, ao liberalismo e reconhecendo a importância da economia de mercado? A senhora não acha que falar em socialismo hoje, da forma como a senhora fala, não estaria um pouco démodé não?
Luiza Erundina: Veja, eu não me defino como uma revolucionária, eu digo que eu estou num partido...
José Márcio: [interrompendo] O que a senhora diz com relação de força?
Luiza Erundina: Eu vou chegar lá. Eu optei por um partido que tem uma proposta revolucionária, mais do que isso tem uma prática revolucionária. O que é uma prática revolucionária para mim? Neste caso, eu estou nessa prática revolucionária, é reconhecer o direito dos trabalhadores se organizarem autonomamente, independentemente e pressionarem os limites da institucionalidade, da ordem.
José Márcio: Mas isso aí, num regime de economia de economia de mercado, num regime socialista, pode ser alcançado ou a senhora não acredita?
Luiza Erundina: Claro. Dada a correlação que está dada, se dá exatamente aí, quer dizer, mesmo nos limites da institucionalidade burguesa, capitalista, é possível fazer avançar.
José Márcio: Essa expressão que a senhora fala “burguesa”, a senhora insiste muito nesta entrevista, a senhora insiste muito em mentalidade burguesa. A senhora não acha que isso já está um pouco...
Luiza Erundina: [interrompendo] É um dado da realidade, a sociedade é uma sociedade que é de classes. Cada classe tem seus interesses e tem a sua ideologia. A dominação dessa classe se dá não só no ponto de vista econômico e político, mas também no ponto de vista ideológico.
José Márcio: O que é burguesa para a senhora?
Luiza Erundina: Aquele setor da sociedade que domina e impõe sua visão de mundo, impõe as regras na sociedade do seu interesse, isso implica em quê? Explorar a maioria, que são os assalariados, em se apropriar da mais valia gerada por este assalariado. Então, é uma sociedade em que nós vivemos. Não imagino que a transformação estrutural da sociedade já seja possível de se fazer hoje, na correlação de força que está dada aí, mas eu entendo também que as condições objetivas estão dadas. O nível de miséria, o nível de exploração, o nível de dominação e de marginalização nesta sociedade, da maioria da sociedade, eu acho que coloca contradições tão agudas que me leva a concluir que as condições objetivas estão dadas para mudanças profundas, transformações estruturais nesta sociedade. O que não existe para viabilizar isso? Não sei quando isso vai se dar, mas são condições subjetivas. Até porque você tem pessoas e agentes na sociedade, como o Sílvio Santos [apresentador de programas de televisão e empresário brasileiro. A candidatura para a prefeitura de São Paulo não foi levada à diante. Em 1989 mais uma vez foi candidato, mas para concorrer ao cargo de presidente da República. O registro foi impugnado pelo Tribunal Superior Eleitoral por irregularidades no registro do Partido Municipalista Brasileiro], que contribuiu de forma decisiva para alienação dessa maioria que sequer se permite, por pressão desses meios de comunicação de massa, tipo programa Sílvio Santos, que ela se perceba como cidadão, com direitos, com deveres, direitos esses que estão sendo comprometidos por essa sociedade.
José Márcio: Estou satisfeito, só gostaria de concluir. Se a senhora usasse a expressão “democratização” não seria mais interessante do que socialismo?
Luiza Erundina: Não, democratização nos limites da correlação de forças que estão dadas hoje. O PT não propõe outra coisa, não, propõe o quê? Um programa democrático e popular nos limites de correlação de forças que estão dadas. Não significa que a gente se satisfaça e se acomode aos limites dessa correlação de forças dada hoje. O que vai alterar essa correlação de forças? É o acúmulo de forças que vai se dando a partir do quê? A partir do avanço da consciência política dessa massa, o fortalecimento das suas organizações autônomas e independentes e a sua participação efetiva nesta sociedade nos limites em que estão dados aí. Eu acho que isso é um dado da história, da realidade objetiva.
Luia Erundina: Deputada, a senhora não acha que isso que a senhora disse não é uma espécie de mistificação que o PT está aprontando e a senhora também? Até uma forma de enganar o eleitorado? Que dizer, o PT, no fundo é um partido revolucionário, de massas, que pretende chegar a um regime socialista. A senhora defende a prática marxista e, no entanto, vai fazer um programa, um discurso, uma campanha, digamos para realidade atual, ou seja, isso não é enganar eleitorado?
Luiza Erundina: Eu não acho que é mistificação até porque isso tem base numa realidade objetiva. Há cinco anos, quando surgiu a CUT [Central Única dos Trabalhadores], não sei se é esse o número de anos, a correlação de força, há seis anos em que a CUT foi criada, a correlação de forças que era dada naquela ocasião e os limites da institucionalidade da ordem não admitiam a existência da CUT ou de uma CGT [Central Geral dos Trabalhadores]. Então, os trabalhadores ousaram, ousaram além dos limites da instucionalidade que estava dado. Isso é a história. Imaginar que os limites estão dados e que não é possível ousar no sentido de pressionar e empurrar estes limites, eu acho que é negar própria dinâmica da história. Então, eu acho que a existência da CUT, da CGT, a liberdade de organização sindical que tem sido conquistada a duras penas pelos trabalhadores, acho que isso é um dado que demonstra que não estamos mistificando, estamos acenando para uma proposta irreal ou mística. Acho que tem bases reais na realidade brasileiras. Há alguns anos atrás, a gente tinha lei de segurança nacional, que era limite institucional absoluto. Não podemos absolutizar estes limites, até porque a gente entende que a modernização de sociedade, a transformação da sociedade, seja quantitativa ou seja qualitativa, ela supõe essa disputa dentro da sociedade que é real e que é objetiva nos dados de realidades hoje. Então, eu não acho que a gente esteja extrapolando dados ou mistificando em função dessa proposta que está sendo feita.
Augusto Nunes: A senhora mencionou de passagem o nome do apresentador de TV Sílvio Santos. O Adriano de Souza, de Belém, o Reinaldo Cruz de Oliveira, da Vila Nova Cachoeirinha, e a Valéria Abroseci, de Osasco, pergunta o que a senhora acha, como vê a candidatura a prefeito do empresário Sílvio Santos?
Luiza Erundina: Eu acho que é um retrocesso político, sobretudo numa cidade como São Paulo. No momento em que todos os partidos, todas as forças políticas defendem o fortalecimento dos partidos, que eles assumam uma figuração programática e ideológica, se joga uma candidatura que nega exatamente os partidos políticos, nega o compromisso político. Ele tem sido muito claro nesta questão, ele aceita a legenda do Partido da Frente Liberal, que interessava essa legenda inicialmente dar essa legenda e oferecer essa legenda a esse empresário. De repente ele faz exigências que estão absolutamente fora de qualquer comportamento político, seja em que partido for. Então, eu acho que é retrocesso político, é um atraso político no momento em que o país luta no sentido de ampliar os espaços democráticos. A ampliação desses espaços democráticos supõe a existência de partidos fortes, com programa, com ideologia. Esse homem não tem nenhuma expressão, não expressa nenhum programa, nenhuma ideologia. Ele se recusa inclusive a isso porque ele entende que administrar uma prefeitura ou governo qualquer de seus níveis significa, simplesmente, repetir a prática empresarial dele. Para ver exatamente o quanto isso demonstra o despreparo político e a inconveniência de se ter uma candidatura com esse nível e com estas características.
Boris Casoy: Deputada, a senhora fala em espaços democráticos e democracia, prevê obediência à lei. A senhora tem apoiado, quando não promovido, invasões de terrenos urbanos em São Paulo ao arrepio da lei. Como a senhora pretende tratar esta questão das invasões, se é que a senhora vai parar de invadir, na prefeitura de São Paulo, se a senhora for eleita?
Luiza Erundina: Provocação né, Boris [risos]?
Boris Casoy: É um fato.
Luiza Erundina: Veja, Boris, você me conhece, você me conhece muito bem.
Augusto Nunes: [interrompendo] Deputada, eu queria incorporar a esta pergunta do Boris, para senhora ver que não é provocação não, viu, as perguntas dos telespectadores o Álvaro Molina, de Belém, e do Nelson Muniz, de Cerqueira César, ambos perguntam exatamente isso, se a senhora, como prefeita, seguiria comandando invasão de terrenos?
Luiza Erundina: Com certeza é de algum proprietário de terreno, está se sentindo ameaçado [ri].
Boris Casoy: A senhora já comandou alguma, deputada?
Luiza Erundina: O que ocorre? Veja, estou em São Paulo há 17 anos, sou assistente social. Quando eu cheguei aqui em São Paulo, o que eu encontrei na minha prática profissional? População chegando do nordeste, de Minas Gerais, do interior do Paraná, do interior do estado, saindo de lá por quê? Porque não tinha terra para trabalhar.
Boris Casoy: Vai justificar invasão, está se preparando pra se justificar.
Luiza Erundina: Espera aí, não concluí ainda. Quando chegam aqui, o primeiro problema que enfrentam é problema de não ter onde morar, o que acontece? É uma pessoa com carne e osso, não pode ficar entre o céu e terra. O primeiro espaço que ele encontra, ele levanta seu barraco. E veja mais, o que é mais ilegítimo? Não falo legal, porque a legalidade está dada pelas leis que estão aí e que lei é pra mudar. Se a gente partisse do pressuposto que a lei está dada, temos que cumprir e ponto, a gente não teria mudado as lei arbitrárias da ditadura.
Boris Casoy: As leis legítimas e legais votadas, são...
Luiza Erundina: [interrompendo] Mas você veja bem, São Paulo, você sabe melhor que eu, é um dos centros de maior densidade demográfica, no entanto, é uma das cidades que tem mais espaços vazios. Uma pesquisa de 1983 dava que 30% das áreas de São Paulo estavam vazias, ociosas, está certo? Enquanto que você tem uma população de 800 mil favelados, tem quase três milhões de pessoas morando em cortiços, e você tem 30% de espaços vazios.
Boris Casoy: E a solução tem que ser violenta? É grave ou gravíssimo, eu só pergunto se a solução é legitima?
Luiza Erundina: Quando esta população que não tem onde morar, não pode pagar aluguel, ou come ou paga aluguel. Então, como não dá deixar de comer, mesmo aquele mínimo para se manter vivo, ele tem que escolher: “Não posso comer e morar, então eu vou ocupar o primeiro espaço que encontro.” É decisão dele. Até porque isso implica um risco tal, Boris, você imagina o que é o risco de enfrentar polícia, de enfrentar justiça, de enfrentar o proprietário.
Boris Casoy: Não é uma organização, não é decisão isolada de indivíduo, como a senhora está tentando explicar é decisão organizada.
Luiza Erundina: Perfeito. Outra coisa, as ocupações mudaram de qualidade em função do agravamento da crise econômica.
Boris Casoy: A senhora chama de ocupações, eu chamo de invasões, invade a propriedade alheia.
Luiza Erundina: não, eu não concordo.
Renato Faleiros: A senhora concorda que com esbulho?
Luiza Erundina: Não, não concordo.
Ana Maria Tahan: A senhora não respondeu até agora. Se eleita, como a senhora vai tratar estes casos, esses terrenos de milhares de metros quadrados?
Luiza Erundina: Primeiro, eu vou responder para o Boris.
Ana Maria Tahan: Mas para esclarecer o telespectador, nestes milhares de metros quadrados vazios que a senhora disse que existem, existem os parques, os jardins. Não são todos que estão vazios para serem ocupados.
Luiza Erundina: Eu não terminei de responder ao Boris. Primeiro, eu quero dizer que não invado terra e não estimulo invasão de terra. O que eu faço? Sou uma representante do povo, eu tenho a responsabilidade, inclusive, de ajudar a encontrar saídas dos conflitos que se criam nesta sociedade. Quantas vezes eu consegui fazer isso com meus companheiros de partido, consegui negociar?
Boris Casoy: A senhora nunca participou, nunca liderou invasões? A senhora nunca participou de reuniões que foram anteriores às invasões, a senhora nunca preparou nada?
Luiza Erundina: Não nunca preparei nada.
Boris Casoy: Puxa, é uma novidade para mim.
Luiza Erundina: Eu defendo o direito de morar. Este direito está sendo desrespeitado por uma existência de áreas vazias e faltas de alternativas que governo não coloca para este problema dessa população.
Boris Casoy: Mas deputada, isso não foi resolvido nem pelo socialismo, quer dizer, e nos países socialistas existe um tremendo problema de habitação. A senhora defende uma maneira violenta de ocupação.
Augusto Nunes: Boris, Boris, deputada, por favor [todos falam ao mesmo tempo]. Deputada. Boris. Deputada Luiza Erundina, por favor.
Luiza Erundina: Eu não acredito que existam espaços vazio num país socialista O que deve existir lá é a incapacidade econômica e financeira de ter alternativas de solução para esse problema que importa o volume de recursos que esses países não conseguiram dispor.
Augusto Nunes: Deputada, Boris, por favor. A senhora olha para mim conforme o combinado. Vamos combinar o seguinte, a deputada precisa concluir a resposta.
Luiza Erundina: É verdade, senão eu fico numa pior.
Augusto Nunes: Então, o negócio é o seguinte, o Boris arredonda as suas dúvidas e, em seguida, a Ana Maria queria refazer a pergunta.
Luiza Erundina: Eu tenho o que dizer para ela.
Augusto Nunes: Aí temos um intervalo e depois volta para Mauro chaves. Então, Boris tuas dúvidas.
Boris Casoy: Eu concordo com a análise que a deputada faz de que há espaços vazios imensos explorados, ou potencialmente exploráveis, por especuladores imobiliários em São Paulo. Acho que isso é combatível através de lei. O que me assusta na deputada é que ela defende soluções extralegais pela violência, ela chama de ocupação a invasão de terreno [todos falam ao mesmo tempo].
Augusto Nunes: Deputada, por favor.
Luiza Erundina: É uma violência à propriedade. O que é mais violento quando a polícia vem, reprime, despeja a população sem oferecer alternativa para ela. O que é mais violento [todos fala ao mesmo tempo]?
Augusto Nunes: Deputada Luiza Erundina. Deputada, Boris, deputada, Boris, eu peço.
Luiza Erundina: Mas uma violência gera outra violência.
Augusto Nunes: Vocês precisam me ajudar, porque o telespectador é grande prejudicado, sem dúvidas. Em vez do pingue-pongue, o Boris expõe as suas dúvidas, a Ana Maria refaz a pergunta, a senhora responde e teremos intervalo, por favor.
Ana Maria Tahan: Eu quero saber exatamente como a senhora pretende tratar os problemas de invasões de terra. Se eleita prefeita de São Paulo, como a senhora vai dialogar com estas pessoas? Como a senhora vai resolver esse problema do ponto de vista legal e legítimo?
Luiza Erundina: Acho que anterior a esta sua indagação tem a sua intervenção anterior, quando você alegava que tem áreas de bem comum do povo, áreas verdes, áreas para ocupação urbana e tal. O que está faltando? O plano diretor de uma cidade do porte da complexidade e do crescimento intensivo de São Paulo não dispõe de um plano diretor para ordenar o uso e ocupação do solo nesta cidade. Primeira falha, por isso, áreas de destinação coletiva de bem comum do povo terminam por falta, exatamente, primeiro de uma política habitacional capaz de atender às necessidades dessa população trabalhadora; Segundo, exatamente para falta de um planejamento urbano, capaz de disciplinar ocupação desses espaços. O PT na administração, ou antes, disso...
Ana Maria Tahan: [interrompendo] Pretende propor um plano diretor para a cidade de São Paulo?
Luiza Erundina: Pretende traçar um plano diretor capaz de ordenar o uso e a ocupação dos espaços preservando o verde, preservando as áreas de mananciais e dando o uso racional aos espaços vazios. Aí tem que ser feito junto com a população, percebe? Aí tem que ser feito com a população. Quer dizer, a população ocupa sem sequer, ela tem consciência de que ela está ocupando um bem que poderia ser um bem para o coletivo, não só para aquele grupo de famílias que está ocupando, por quê? Porque não existe uma ação do governo e uma ação planejada desse governo que fosse capaz de informar. Aí supõe, portanto, uma administração transparente, capaz de mostrar para população que está sem casa e sem moradia quais as saídas, alternativas, e investir nisso, por exemplo, comprar terra, fazer estoque de terra para poder viabilizar soluções para famílias que eventualmente ocupam uma área.
Augusto Nunes: Deputada, por favor, nós temos que fazer agora um intervalo.
Luiza Erundina: Então, eu acho que é uma questão de planejamento urbano que se resolve com plano diretor, mas plano diretor eficaz. Mais que isso, um plano diretor discutido, elaborado com a participação da população e que seja para valer, não um plano diretor que se faz para 10 anos e depois de 10 anos se resolve fazer outro plano diretor e sequer avaliou se este plano se viabilizou ou não e não rebate esse plano diretor nas ações de governo ano a ano, através dos seus orçamentos seus investimentos públicos. Então, é uma peça para inglês ver, para ficar lá no arquivo e pra pesquisador coletar dados estatísticos. Eu estou imaginando uma peça para a prática administrativa e política, um plano diretor capaz de dar idéias, dar sugestões, ser referência de uma ação de governo ano a ano, orientando inclusive os investimentos e ação planejada em nível da ação municipal, do governo municipal.
Augusto Nunes: Deputada, teremos agora um ligeiro intervalo. O Roda Viva com a deputada Luiza Erundina do PT e candidata desse partido a prefeitura de São Paulo, volta já, já.
[intervalo]
Augusto Nunes: Retomamos agora a conversa com a deputada Luiza Erundina, candidata pelo PT à prefeitura de São Paulo e convidada desta noite do Roda Viva. Deputada, vários telespectadores perguntam se a senhora admite, a senhora concorda com a tese que votos dados ao ex-deputado Eduardo Suplicy [um dos fundadores do PT, eleito deputado estadual por São Paulo, deputado federal e senador da República], aqui presente, foram decisivos na vitória do atual prefeito Jânio Quadros? Eu incorporaria mais perguntas: o Júlio César Ferreira, da Vila Mariana, pergunta quais serão as diferenças, em termos práticos, entre a sua administração e prefeito Jânio quadros? E Manoel Pinto Filho, que é suplente de vereador em Cananéia, litoral de São Paulo, quer saber se a senhora daria continuidade às obras em curso determinadas pelo prefeito Jânio Quadros, depois da resposta teremos Mauro e Carlinhos.
Luiza Erundina: Desculpe, eu esqueci a primeira pergunta.
Augusto Nunes: É se a senhora concorda com a tese de que votos dados ao Eduardo Suplicy ajudaram a eleger o Jânio decisivamente?
Luiza Erundina: Eu acho que está embutida nesta questão a idéia do voto útil, é sempre do lado do trabalhador que ousa fazer política neste país que é sempre inconveniente. Nunca é a hora de os trabalhadores disputarem o poder, fazer a disputa política. Então, eu não aceito a idéia do voto útil. Quero saber se este ano, se o Sílvio Santos entra na parada aí, se o voto útil vai valer no nosso interesse. Porque o PT é a força que tem mais chances eleitorais, até porque as pesquisas estão revelando isso. Então, eu quero saber se vai chegar a hora do voto útil no interesse do trabalhador também? Então, o voto útil, eu acho que uma é discriminação contra os trabalhadores e nosso partido que é instrumento de disputa e participação real de trabalhadores.
Augusto Nunes: Sobre o Jânio, a senhora continuaria as obras dele?
Luiza Erundina: Eu acho que é água e vinho pensar em uma administração petista versus a administração do senhor Jânio Quadros. Primeiro, o senhor Jânio Quadros fez uma campanha para os pobres para fazer administração para os ricos. Todo discurso de campanha dele foi prometendo resolver problema da segurança, emprego, problema das condições de vida, problema de moradia, problema dos feirantes, dos taxistas. Foram exatamente estas forças profundamente penalizadas por esta administração. Perseguição direta, prisão para feirantes, repressão aos ambulantes. Nega a periferia, que foi quem votou no Jânio Quadros, o direito dessa população, em termos de melhorias urbanas. Basta dizer que o senhor Jânio quadros está investindo 500 milhões de dólares em túneis que sequer resolvem o problema viário da cidade.
Augusto Nunes: A senhora paralisaria as obras do túnel do Ibirapuera, por exemplo?
Luiza Erundina: Veja, infelizmente, as administrações com as características das do senhor Jânio Quadros, voltadas preferencialmente para os interesses dos “lobs” econômicos etc, contratam estas obras e amarram no contrato dessas obras tais exigências e tais cláusulas que, muitas vezes, reverter ou rescindir esses contratos é mais oneroso para o município ou população do que manter essas obras. Mas a decisão do partido à frente dessa prefeitura, um dos primeiros atos será examinar caso a caso, contrato por contrato, discutir com a população a conveniência ou não de interromper as obras e vamos ter vontade e coragem política para fazer isso.
Mauro Chaves: Voltando um pouco uma observação que fez o José Márcio Mendonça, a impressão que fica é que a senhora tem certo disfarce de linguagem e, geralmente, a senhora passa para a linguagem teórica acadêmica quando a gente faz perguntas que exigem uma definição mais direta do seu posicionamento. Com relação, por exemplo, ao seu posicionamento mais radical e revolucionário, tem dois partidos que o apóiam que são o Partido Revolucionário Comunista e o Movimento Comunista Revolucionário. Queria saber o que significam estes partidos em termos de ação política e prática? Voltando para a pergunta do Boris Casoy, acho que ficou a mim também uma impressão assim que não foi respondida. A senhora não disse nem que é a favor do esbulho nem que não é, só falou em plano diretor. Mas plano diretor é um plano de urbanização de uma cidade. O plano diretor não trata daqueles terrenos os ociosos. A senhora não falou em tributação dos terrenos ociosos nem dos planos de construção de casas tipo Cohab [Companhia de Habitação Popular]. Então, veja bem, no caso da Cohab especificamente, onde há 300 mil famílias na fila e onde o PT, com alguns setores da igreja, estimularam invasões. Eu queria que a senhora definisse claramente se a senhora é favor dessas invasões, pessoas que invadem pegam o crachá e vão discutir com a prefeitura, dizendo: “Olha, nós invadimos, queremos negociar quer um terreno”. A senhora é favor desse processo de ocupação ou a senhora é favor então de outra coisa? Quer dizer, de resolver este problema dos terrenos ociosos com a tributação, com planejamento de construção de casas populares etc?
Luiza Erundina: Veja, eu acho que nas nossas propostas, a adoção de uma política tributária que penalize essas propriedades ociosas como um instrumento de controle da especulação mobiliária, esta é uma das propostas nossas em relação aos problemas dos terrenos e do problema habitacional.
Mauro Chaves: Mas as invasões estão na proposta. As invasões, como perguntou o Boris estão na sua proposta?
Luiza Erundina: Como não existem hoje instrumentos legais e administrativos em nível da prefeitura, políticos tributários ou instrumentos capazes de regular, disciplinar a destinação desses bens, e que são escassos no município, escassos no sentido de que cada vez mais vai tendo necessidade de mais espaços para equipamento urbanos, para serviços públicos etc. Então, nesse sentido, falta ao município de São Paulo, como maioria dos municípios, não só o plano diretor, que é um dos instrumentos, mas uma política tributária e plano ousado de construção de moradia popular que implica, por exemplo, na desapropriação dessas áreas, na adoção de uma...
Mauro Chaves: [interrompendo] A senhora não acha que invasão atrapalha.
Augusto Nunes: Mauro, Mauro, por favor.
Luiza Erundina: Pela falta de existência de uma política dessas é que a população, num dado momento, depois de fazer várias gestões... Porque quando uma população se decide a esta atitude extrema, de ocupar um terreno, que ela sabe que vai ser reprimida, sabe que vai enfrentar uma barra muito pesada. Ela fez “N” gestões, às várias instâncias de administração, e não tem resposta. Quer dizer, o vazio de uma política habitacional capaz de dar solução a estes problemas, pelo menos de parte dessa população que está sem condições e alternativas. O problema dos cortiços é um dos mais graves, quase três milhões de pessoas em cortiços. Porque a administração não adquire imóvel, transforma em propriedade sua, ou mesmo imóveis públicos, e faz um sistema de aluguel um condomínio com essas famílias?
Boris Casoy: É simples, deputada, porque não há dinheiro para isso. A senhora faz planos como se o município tivesse dinheiro pra tudo.
Luiza Erundina: Não há dinheiro para tudo, mas eu acho que...
Boris Casoy: [interrompendo] Mas é muito perigoso, a senhora está prometendo uma política habitacional...
Luiza Erundina: [interrompendo] Estou apontando soluções.
Boris Casoy: A senhora aponta soluções para a política habitacional onde a senhora tira da cartola uma solução que ninguém deu. Ou a senhora acha que todo mundo até hoje foi burro ou não quis faturar com isso?
Luiza Erundina: Faltou vontade política [todos falam ao mesmo tempo]. Eu só queria dizer o seguinte: É que eu me sinto assim, diante de pessoas tão em nível teórico, que eu também me acho com a necessidade de me colocar também neste nível e, muitas vezes, recorrer a certos meios até para poder a gente conseguir estabelecer um diálogo.
Augusto Nunes: Deputada, por favor, até em nome da fluência do diálogo, eu repito um apelo formulado pelos telespectadores. Eu peço aos entrevistadores, feita a pergunta e não se satisfazendo com a resposta, registre. Do contrário, não trataremos de todos os temas que os telespectadores esperam ver discutido aqui. Está certo? Então, Carlinhos.
Carlos Brickmann: Por favor, não rebusque o nível por que eu não sou universitário, não cheguei à universidade. Fiquei curioso com uma referência que a senhora fez agora há pouco ao programa Sílvio Santos. Basicamente a senhora disse que o programa é deseducativo, algo mais ou menos assim. O curioso é que a senhora falou do Sílvio, mas não falou do Chacrinha [José Abelardo Barbosa (1917 - 1988)], Bolinha [Edson Cury (1936 - 1998)], Raul Gil, não falou do Fausto Silva [apresentadores de programas populares]. Se eles fossem candidatos a prefeito com chances de derrotá-la, a senhora também consideraria os programas deles deseducativos?
Luiza Erundina: Olha, estou me referindo exatamente a programas de comunicação de massa que são alienantes sejam feitos pelo senhor Sílvio Santos, pelo Chacrinha... Eu acho que a televisão brasileira tem plenas condições, sabe, de oferecer à população, e a população tem expectativa, tem capacidade de absorver e consumir programas de outro nível. Só que não é por acaso, é intencional, que tais programas se façam em nível de alienar a população, de não ajudá-la a tomar consciência dos seus direitos, de se informar devidamente.
Carlos Brckmann: A pessoa não é obrigada a sintonizar esse programa.
Luiza Erundina: Mas qual é a alternativa que a população brasileira tem de lazer?
Carlos Brckmann: TV Cultura.
José Márcio: A TV Cultura, deputada.
Renato Faleiros: Acabei de ver uma entrevista da senhora, se não me engano, na Folha que a senhora dizia ali, entre aspas, que a senhora pretende tratar da questão do salário, dos vencimentos do funcionalismo sempre acima da inflação, os reajustes. Como a senhora acha que é possível neste ano? A senhora que deve estar informada sobre os cofres da prefeitura, se a senhora fosse prefeita, esse ano, em São Paulo, como a senhora trataria desse assunto dentro das disponibilidades aí?
Luiza Erundina: O Partido dos Trabalhadores tem um compromisso com os trabalhadores que não pode negar estes compromissos ou se recusar a eles quando se torna governo.
Renato Faleiros: Mas aí também tem a realidade do orçamento.
Luiza Erundina: Tudo bem, mas aí tem a nossa proposta: reajustes salariais não podem ser inferiores a inflação, está certo? Eu acho que a administração tem que ter competência administrativa de gerir os recursos públicos de forma a assegurar esta condição. A reposição das perdas é algo a ser estudado e viabilizado no tempo da administração em quatro anos e tem que ser negociado com os servidores públicos. Neste sentido, eu acho que há condições. Até porque eu entendo que o funcionário público, é o agente...
Renato Faleiros: [interrompendo] A senhora que já foi vereadora, já estudou orçamento municipal na Câmara durante aí quatro anos né, a senhora acha que isso é possível fazer, fazer este aumento?
Luiza Erundina: Reorientar as finanças públicas e os orçamentos públicos, racionalizar a máquina, eliminar órgãos absolutamente dispensáveis....
Renato Faleiros: [interrompendo] A senhora dispensaria servidores para atender essa política?
Luiza Erundina: Não, absolutamente. Eu relocaria esses servidores porque eu admito que uma administração democrática e popular vai expandir os seus serviços, vai oferecer mais serviços à população. Conseqüentemente vai precisar de mais recursos humanos porque na prestação de serviços públicos, o servidor, o recurso humano é o recurso mais importante, seja para garantir o serviço em quantidade e seja para dar qualidade a esse serviço. Porque a população se queixa tanto dos serviços públicos? Entre outras coisas, claro que não é a única coisa, é a insatisfação do servidor público no tratamento seu em termos salariais, em termos de respeito enquanto trabalhador.
Renato Faleiros: Deputada, a prefeita Maria Luiza, por exemplo, ela chegou lá em Fortaleza e ela viu, ela tinha esse mesmo discurso. Eu me lembro até na campanha que em relação ao funcionalismo, ela disse a mesma coisa. Ela chegou lá na prefeitura de Fortaleza e se deparou com uma lista enorme, inclusive, de funcionários fantasma.
Luiza Erundina: Se são fantasmas, nem existem.
Renato Faleiros: Fantasmas na presença ali no trabalho, mas estavam recebendo. Ela não conseguiu mandar embora nem os funcionários fantasmas, ela confessou outro dia.
Luiza Erundina: Faltou a ela vontade política para fazer isso. Eu acho que uma administração petista deve ser comprometida com a população trabalhadora... ser transparente, uma decisão dessa é uma decisão individual, independente de ser do gabinete de prefeito ou do secretário. A administração petista vai ser uma administração popular, democrática, aberta, transparente. Vai ser simples explicar a população de São Paulo que existe tal quadro de pessoal, só que desse quadro de pessoal existem “N” pessoas ou que acumulam cargos ilegalmente ou porque não tem uma função clara, se estuda a possibilidade de remanejar estes recursos e dar um sentido de inutilidade a estes recursos.
Augusto Nunes: Deputada, a senhora terminou a resposta? Desculpe.
Luiza Erundina: Sim.
José Márcio: Eu a estou conhecendo hoje. A senhora passa a imagem de ser uma militante assim, ideológica, muito ideológica, de 24 horas por dia, duro e tal. Eu gostaria de conhecer o outro lado de Luíza Erundina. A senhora poderia falar alguma coisa assim, dos seus gostos, tipo de música, se há senhora gosta especialmente de um gênero, cinema?
Luiza Erundina: Por exemplo, eu gosto de andar do Parque Ibirapuera [risos].
José Márcio: Isso aí. Isso aí não está muito... ainda.
Luiza Erundina: Eu gosto de ler.
Melchiades Cunha: O que a senhora gosta de ler? A senhora gosta de ler literatura?
Luiza Erundina: Claro, eu gosto de ler literatura, eu gosto música clássica, eu gosto de Milton Nascimento, eu gosto de Chico Buarque de Holanda.
José Márcio: Marlon Brando [(1924 – 2004), foi um dos atrores mais conhecdiso nos Estados Unidos. Recebeu várias indicações ao Oscar e também foi vencedor em diversas categorias ao longo da carreira] , assim, o que a senhora acha do Marlon Brando?
Luiza Erundina: Não, não gosto desse estilo, não. Não, sou mais exigente.
José Márcio: Mas eu queria perguntar sobre Câmara Municipal. A senhora foi vereadora. A senhora acha a Câmara uma experiência importante, ela é necessária? Acha as os vereadores são importantes para cidades? O que a senhora faria com Câmara Municipal?
Luiza Erundina: Olha, primeiro temos que esperar que a nova Constituição do país atribua ao poder local e, no caso, ao Poder Legislativo no âmbito local de poder, poder real de legislar. Nós temos um legislativo que não legisla. Então, eu acho que a Câmara, o Legislativo, em qualquer de suas esferas, é importante como um espaço de representação popular.
José Márcio: Aí ela pode ser fechada por que ela não vai fazer falta nenhuma?
Luiza Erundina: Com a composição que está dada aí e com relação que esta Câmara estabeleceu...
José Márcio: [interrompendo] Mas foram eleitos, né, deputada.
Luiza Erundina: Mas não podemos generalizar, existe uma minoria aguerrida lá dentro que, no mínimo, consegue denunciar as falcatruas, a jogatina que está lá dentro.
José Márcio: Mas isso pode ser feito pela imprensa, por que a Câmara Municipal?
Luiza Erundina: Nós estamos nos limites da democracia. E a democracia pressupõe a existência dos poderes. Este poder Legislativo... Agora, claro, se você atribuiu poder de legislar de fato, de poder legislar e fiscalizar. Por exemplo, hoje, é função importante do Legislativo se estivesse independente, se ele tivesse autonomia...
José Márcio: Mas vai dar mais poderes.
Luiza Erundina: Perfeito.
Augusto Nunes: A senhora conclua e depois José Márcio, por favor.
Luiza Erundina: Como eu dava sentido ao meu mandato? Primeiro, não ficava lá dentro, ficava levando informações às populações sobre os projetos que estavam se desenvolvendo lá dentro, levando a população até para conseguir mudar comportamento de vereadores comprometidos com o Executivo e nada comprometidos com a população. É um espaço de representação popular e que tem função fiscalizadora e uma função importante. Por exemplo, a bancada do PT lá, são somos cinco, alguns companheiros do PMDB. Somos uma pedra no calo dos vereadores do Jânio Quadros e de todos os partidos que se compuseram com ele. Então, se não tivesse este espaço e a presença dessas pessoas lá dentro, até para perceber o jogo do poder que estão lá, as falcatruas que estão lá... Se votam projetos como orçamento, como reajuste de IPTU [Imposto Predial e Territorial Urbano] e outros projetos de interesse são de iniciativa do Executivo. Se não houvesse um canal, e a imprensa não é suficiente para isso, se não houvesse um canal com a população seria pior, porque aí Jânio Quadros não precisava mandar projeto para a Câmara, não precisava.
José Márcio: Não estou dizendo que Legislativo não é importante, só estou dizendo que se a Câmara Municipal, da forma como funciona no país inteiro, ela não tem a menos importância.
Luiza Erundina: Eu discordo. Eu acho, por exemplo, fazendo a minha avaliação do meu mandato de deputada e de vereadora, eu sentia mais conseqüência no meu mandato de vereadora do que deputada estadual, por quê? Porque este mandato está a serviço de questões mais diretas, mais concretas.
Renato Faleiros: A senhora acha a Assembléia menos importante?
Luiza Erundina: Não é que é menos importante, mas o esvaziamento de poder dessa instância, o Legislativo, na esfera estadual, é mais ainda que a esfera local. Não na sua função fiscalizadora, haja vista, por exemplo, o que os nossos deputados, a nossa bancada de deputados de outros partidos conseguiram a nível das comissões permanentes, por exemplo, fiscalizando empresas estatais, denúncias, por exemplo, do abuso da propagandas do governo. Eu duvido que, se a gente não estivesse lá dentro, se pegava com toda a facilidade estas informações, esses dados, para poder jogar para a opinião pública e trabalhar com eles. Acho que não pode se dispensar o poder Legislativo, no mínimo da função de fiscalizadora, já que hoje não se tem poder real de legislar. Eu acho que a nova Constituição Federal vai atribuir, vai dar ao Poder Legislativo poder real de legislar sobre questões orçamentárias, tributárias etc.
José Márcio: Deputada, ao responder ao Renato, a senhora disse que pretende dar aumento salariais aos funcionários sempre igual ou acima de inflação, mas as perdas anteriores serão recuperadas durante quatro anos. Lembro o seguinte: vários sindicatos que pertencem a CUT já promoveram greves para conseguir esta reposição de perdas salariais de uma só vez. Como a senhora agiria na prefeitura diante de uma greve dessas?
Luiza Erundina: Olha, a grave é um instrumento legítimo da organização dos trabalhadores. Nós reconhecemos o direito do trabalhador usar este recurso legítimo na defesa de seus interesses. Eu vou entender, e o partido entende, que os funcionários públicos... Hoje, inclusive, se existe uma nova mentalidade da cabeça do funcionário público, não é mais aquela idéia de ser uma extensão do estado e como tal ele é mero cumpridor de ordens e determinações. Já existe até uma mentalidade, até pela prática sindical de setores, segmentos importantes, da sua consciência, que são trabalhadores e como tal tem um patrão que é o estado, e como tal são explorados por este patrão. Funcionário público tem direito a se sindicalizar, reivindicar, defender seus interesses, logo tem direito a usar os meios, uma greve, mas estou admitindo e imaginando e que uma administração petista, até porque tem canal mais direto com estes segmentos dos trabalhadores, vai ter condições inclusive de discutir a capacidade orçamentária e ouvir reivindicações e negociar com servidores dentro dos limites de condições reais do município em termos de disponibilidade financeira.
José Márcio: Mas a senhora não acha que há incoerência de ação? Ou seja, enquanto PT ou CUT, para outras empresas e para outros governantes, ele age querendo de uma só vez e a senhora acha, como prefeita, que deve dar a reposição em partes e que isso deve ser entendido pelos seus funcionários. Por que não estender isso também para outras empresas e para outros governantes?
Luiza Erundina: Uma coisa é o sindicato, uma coisa é o partido que tem tarefas que extrapolam os limite de uma administração dentro da institucionalidade que está dada aí. Mesmo sendo o PT à frente do estado, de uma prefeitura, no estado ou no governo federal, dadas as condições que existem hoje. Eu acho que nós defendemos a independência do movimento da luta sindical, a independência da organização independente dos trabalhadores e que, num dado momento, as tarefas estratégicas do partido na construção da organização independente e autônoma dos trabalhadores se conflitando inclusive com administração petista a frente da prefeitura. Aí que eu vi a complexidade, no caso de Fortaleza e Diadema, de conviver esta relação de um partido que tem objetivos estratégicos, que extrapolam os limites da institucionalidade que está dada. E, ao mesmo tempo, este partido, assumindo a co-responsabilidade por uma administração. Por isso que não é incoerente. O partido tem tarefas que precedem, que se seguem à sua administração à frente de uma prefeitura. A prefeitura tem que ter limites institucionais, tem limites orçamentárias, tem limites de recursos. Então não é a mesma coisa a ação de CUT, ação do partido num movimento e o PT à frente de uma prefeitura. Esta contradição vai se dar, não é incoerência [todos falam ao mesmo tempo].
Augusto Nunes: Renato, por favor, Ana Maria.
Luiza Erundina: Deixe só eu terminar. Não é uma incoerência, é uma contradição de natureza de um e outro instrumento.
Renato Faleiros: O partido vai estar sempre insatisfeito, então, com a prefeita, deputada. Esta condição é condição humana. A prefeita pode ir até um determinado limite e, para o partido, ela está sempre extrapolando.
Luiza Erundina: Veja, Renato, a insatisfação, a disputa por interesse é salutar até para dar dinamismo à sociedade. Acho que a gente convive com divergências, contradições, conflitos de interesses e a gente vai tendo que saber administrar isso no processo, na dinâmica social. Isso não é diferente na relação partido administração petista.
Ana Maria Tahan: Me preocupa muito porque senhora está pintando a administração do sonho de habitantes de qualquer cidade desse país. Tudo, funcionalismo público atendido em suas reivindicações salariais, tarifas de ônibus cobradas de forma social sem exploração, prefeitura comprando terrenos, dando estes terrenos, vendendo estes terrenos por preços razoáveis para os sem casa, no caso da prefeitura. Bom, eu tenho a mesma dúvida do Boris e a senhora não respondeu: de onde virão os recursos? Por mais que redirecione o orçamento, tem que ter recursos, de onde vem estes recursos? E outra coisa: se a senhora já tem idéia de quem serão as pessoas que no seu secretariado tocarão isso para frente?
Luiza Erundina: Veja, a gente entende os limites dessa instância de governo municipal. Não estamos partindo da hipótese, e muito menos da certeza, de que vai ser possível fazer tudo isso sem o respaldo popular e sem enfrentamento com o grupo de interesses. Por exemplo, reorientar a política dos transportes urbanos coletivos vai gerar insatisfações e contrariedades, por exemplo, nos empresários de ônibus. Reorientar prioridades a nível de investimentos públicos vai contrariar interesse das empreiteiras. Agora, vai ser fácil fazer isso? Não, é ato de pura vontade, por isso que a gente entende que desde a construção do nosso programa, e a proposta de participação efetiva da população organizada de forma independente e autônoma é condição para viabilizar esta administração. Uma outra coisa, entre outros conflitos de interesses ou de dificuldades que a administração petista vai enfrentar é com relação a outras esferas de governo. O Quércia [Orestes Quércia [governador de São Paulo de 1987 a 1991]. não vai facilitar as coisas para a prefeita do PT, muito menos o Sarney, enquanto ele, infelizmente, estiver durando no lugar dele ali.
Ana Maria Tahan: Então, de onde virão os recursos?
Luiza Erundina: A gente entende que peso político de São Paulo, a importância de São Paulo e se a organização dos trabalhadores se comprometer com uma proposta que, inclusive, se pretende que seja construída com a participação dele. Eu acho que vai haver condições políticas de pressão sobre outras esferas de governo para que estas esferas dêem a São Paulo o que São Paulo tem direito. E lembrando mais, vai melhorar um pouco, a partir dessa reforma tributária, que vai elevar de 18% para 24%, e os recursos arrecadados no município se ampliarão, de 18% a 24%. De qualquer forma, é uma diferença que pode ajudar a aliviar. Agora, tenho clareza de dificuldade, entraves, conflitos de interesses que as administrações democrática e popular vai gerar.
Ana Maria Tahan: A segunda parte da pergunta: o secretariado, quem vai levar isso para frente?
Luiza Erundina: Olha, nós entendemos que esta prefeitura será governada com o partido. Não é o PT sozinho ou a prefeita sozinha que vai decidir.
Ana Maria Tuhan: Mas queria ouvir esta resposta da senhora. A senhora já deve ter idéia de alguns nomes.
Luiza Erundina: Não temos um programa ainda elaborado. Nós temos vários quadros, poderia citar “N” quadros, mas acho que estas não é decisão minha, não deve ser uma opinião minha, eu acho que... Sou disciplinada, sou mulher de partido, sou disciplinada, não faz sentido me imaginar escolhendo secretários.
Augusto Nunes: Tem algum secretário aqui, deputada?
Luiza Erundina: Não saberia dizer, pode até ter, com certeza tem. A qualidade dos companheiros que estão aqui, recomendaria. Agora, é decisão do partido.
Augusto Nunes: Boris Casoy.
Boris Casoy: Deputada, um dos problemas que afligem a população de São Paulo, embora não seja atribuição da prefeitura, eu sei disso, é a questão da segurança pública. Evidentemente, o prefeito tem que se preocupar com o bem estar de toda a população e munícipes. O problema também é questão do abastecimento de águas, que não é da prefeitura, mas cabe ao prefeito pelo menos reclamar. Isso é claro no interior, os prefeitos reivindicam segurança, água, esgoto e tudo isso. Como é que a senhora encara a questão da violência e da atuação policial da segurança pública em São Paulo? De maneira prática, sem teorizar, deputada.
Luiza Erundina: Sim, veja, você mesmo disse, não é competência do município. Aí eu quero investir numa avaliação sobre a guarda metropolitana. Como é que se criou esta guarda metropolitana? Tirando recurso de uma secretaria social, ela foi extinta, não é tirando recurso, ela foi extinta quando Jânio entrou. Os recursos dessa secretaria para atender menor, habitação popular, estes recursos foram destinados... Extinta uma secretaria, criaram uma nova secretaria de defesa social, criaram a guarda metropolitana que é um ônus extraordinário e mais que isso não resolveu a segurança, nem aliviou, pelo contrário. Você tem hoje guardas metropolitanos servindo aos ônibus das linhas particulares para evitar que os usuários dessas linhas deixem de pagar a tarifa. Quer dizer, são servidores públicos pagos com dinheiro da população servindo a um empresário como policial para impedir que aqueles que não conseguem pagar a tarifa consigam escapar pelos fundos de saída do ônibus. Então, é uma guarda desnecessária, serve exatamente para proteger as loucuras do senhor Jânio Quadros quando ele faz as loucuras dele nas ruas e sai punindo motoristas. Segundo, está onerando os recursos públicos e municipais assumindo uma competência que é do estado. Eu acho que caberia à prefeitura exigir do governo estadual, que é quem tem competência para isso que garanta as condições de uma efetiva segurança no município de São Paulo.
Boris Casoy: Mas em sua opinião, como fazer isso, reprimindo?
Luiza Erundina: Não, absolutamente.
Boris Casoy: Conversando com delinqüentes?
Luiza Erundina: Não, veja, os problemas da violência urbana vão muito além, sabe.
Boris Casoy: As origens, todos nós conhecemos, mas eu quero saber como eu saio na rua hoje, como eu ando na cidade hoje? Eu quero saber disso?
Luiza Erundina: Acho que a prefeitura não tem condições...
Boris Casoy: [interrompendo] Não. O que a prefeita pensaria disso? O munícipe, eu chego para senhora e digo: “Não consigo mais correr no Ibirapuera sou assaltado”.
Luiza Erundina: Vamos juntos falar com o Quércia que é responsável pela segurança de cidade.
Boris Casoy: Então a senhora vai pedir repressão?
Luiza Erundina: Não, repressão, não.
Bosris Casoy: Vai pedir diálogo, prisão?
Luiza Erundina: Tem umas saídas paliativas ,nem vou citar porque é tão insignificante.
Boris Casoy: Pois é, eu sou um munícipe em emergência
Luiza Erundina: Por exemplo, iluminação pública.
Bosris Casoy: Não, não... eu estou falando de segurança, de segurança.
Luiza Erundina: Não, meu irmão, mas espera aí, quer dizer os terrenos vazios na periferia com uma escuridão enorme que sequer o ônibus não consegue transitar, não vão deixar o passageiro no final de linha porque ele já sabe que se voltar vai ser assaltado. Isso é medida simples, administrativa, de iluminar toda a periferia de São Paulo. Não estou dizendo que isso resolve o problema de segurança, mas é competência do município, é uma iniciativa possível, viável e que não se faz porque não se tem se interesse e cuidado de aliviar minimamente as condições de vida com relação à periferia.
Augusto Nunes: Por favor, Boris, Carlinhos. O programa está nos minutos finais.
Carlos Brickmann: Em entrevista à Folha de S. Paulo, a senhora teria dito que a administração do Mário Covas [(1930 – 2001), foi governador de São Paulo de 1995 até 2001. Também foi senador da República] foi a menos autoritária que a senhora conheceu em São Paulo e a do Jânio a mais autoritária. Acontece que na administração menos autoritária do Mário Covas, o PT, seu partido, promoveu acampamento de três meses no Ibirapuera. Todo dia chegava ônibus em sem-terra para pressionar o prefeito, fez um belo carnaval em cima do Mário Covas. Com o Jânio, que é autoritário, primeira manifestação que teve lá, jogou água na população, mandou a polícia baixar pau e o PT não apareceu mais por lá, muito bem.
Luiza Erundina: Tomamos banhos juntos.
Carlos Brickmann: Deixa eu refazer a pergunta. Eu sei o seguinte: então, não gostaram do banho, porque não apareceram mais lá.
Luiza Erundina: Mas quem é quem gosta de apanhar da polícia? Não é água pura, é água com substância que queimava. Saiam pessoas de lá com pele queimada com uma substância misturada na água lá.
Carlos Brickmann: Mas então ficou claro que o PT faz manifestações quando encontra prefeitos menos autoritários e recua quando encontra prefeitos mais autoritários. A senhora não teme em assumir a prefeitura e se encontrar com um acampamento permanente do PT na sua porta?
Boris Casoy: Do PMDB.
Carlos Brickmann: Não, do PT mesmo do deputado Eduardo Jorge apanhando, aquelas coisas.
Luiza Erundina: Sabe de uma coisa, eu acho que vocês superestimam a nossa força. Se a gente tivesse a força que vocês pensam.
Carlos Brickmann: A pergunta é clara.
Luiza Erundina: Não, espera aí.
Carlos Brickmann: Foi o PT que fez acampamento no [governo] Covas e o PT recuou e foi o PT que tomou banho do Jânio. Eu pergunto se a senhora não teme que seu partido, os outros não me interessam, eu quero saber se a senhora não teme que o seu partido monte um acampamento permanente na frente do seu gabinete, levando todos os dias ônibus e mais ônibus da periferia para pressioná-la?
Luiza Erundina: Não, meu irmão, até por que eu acho que administração do PT vai se antecipar a uma situação dessas e vai dialogar com a população e com ela formar e a saída para este problema.
José Márcio: A senhora leu hoje a coluna do Carlos Brinckmann na Folha da Tarde?
Luiza Erundina: Não, não li.
Augusto Nunes: A senhora lê geralmente jornais?
Luiza Erundina: Leio, mas hoje eu não li.
José Márcio: A senhora perdeu hoje, hein.
Luiza Erundina: Não li, me deixou curiosa, vou ler logo que chegar a casa. Só uma coisinha. Eu acho isso incrível, como tudo o que acontece é o PT. Então, se a gente tivesse a força se imagina que a gente tenha, a correlação de força era outra. Está certo.
Mauro Chaves: Deputada, eu queria saber duas coisas: o prefeito Jânio quadros está fazendo muitas dívidas, com certeza, com as ações dele. Se a senhora for eleita em São Paulo, sem ter apoio do governador, sem ter apoio do presidente, como a senhora disse, a senhora pensaria na hipótese de ter que pagar dívidas de Jânio Quadros a senhora pensaria na hipótese de uma moratória do município? E a segunda pergunta seria o seguinte: a senhora mexeria no zoneamento de São Paulo, o que acha dele? Por exemplo, jardins, construir prédios, coisa desse tipo? No que a senhora mexeria no zoneamento de São Paulo? Ou não mexeria, acha que está bom?
Luiza Erundina: A primeira pergunta, eu acho que aí sim, era prometer uma ilusão imaginar uma prefeitura possa declarar moratória quando o governo tem outra atitude, outro comportamento, em relação aos credores internacional, que tem um FMI [Fundo Monetário Internacional] ditando as normas e regras da política econômica no país e imprimindo uma política de arrocho salarial, de contenção de congelamento dos recursos públicos para município e estados, exatamente para poupar divisas para pagar os juros e serviços da dívida.
Mauro Chaves: Eu digo interna, empreiteiras etc.
Luiza Erundina: Não vejo viabilidade nisso. Acho que não é viável você declarar moratória por que você iria criar tal impasse na relação com outras instâncias de poder até para conseguir recursos que você precisa para viabilizar as metas e os objetivos dessa administração.
Renato Faleiros: A senhora sofreria um boicote.
Luiza Erundina: A hipótese de boicote está colocada, independente de se declarar ou não a moratória. Governos como Quércia e Sarney, com a prefeitura do PT em São Paulo não vai ter uma relação muito tranqüila.
Renato Faleiros: A senhora acha que de início então a senhora vai sofrer boicote? Se a senhora assumindo a prefeitura de início a senhora já sofre boicote?
Luiza Erundina: O PT sofre boicote toda hora. Por exemplo, quando em 1985 não se apurou, primeiro se forjou uma situação lá em Leme para desmoralizar e comprometer a imagem do PT, porque tinha viabilidades eleitorais concretas, se boicotou qualquer possibilidade de apuração real daqueles fatos. Vão fazer dois anos e não se apuro absolutamente nada porque havia uma clara intenção de se prejudicar PT naquela circunstância, naquela conjuntura. Voltando à questão de lei de zoneamento, ela está alterada diariamente pela política habitacional do Jânio. O Jânio, com lei do “favelamento”, desrespeitou totalmente a lei de zoneamento que é insuficiente, a que está aí, para disciplinar o planejamento urbano em São Paulo. Ele está desrespeitando, quando ele admite alterar os potenciais construtivos naquelas áreas que ele desaloja, tira a população favelada e troca esta área pública por uma outra área que pode estar a milhares de distância de quilômetros daquela região em troca de construção de casinha populares de 21 metros quadrados de qualidade que não vai durar mais que cinco anos, em troca de uma área como no Morumbi, a paraisópolis, está para acontecer isso. É uma área que vai se transformar em prédios de apartamentos, fora dos limites do potencial construtivo, estabelecido hoje pela lei do zoneamento. Quer dizer, a gente não tem nem lei de zoneamento mais hoje porque está quebrada, alterada pela política do Jânio em relação à habitação. Então, há necessidade de um estudo e de uma definição de outra lei de zoneamento para nossa cidade. Até porque [sendo interrompida], só para concluir, tem áreas que aqui na João Dias, no Jaçanã, que são áreas contíguas ao perímetro urbano que hoje, dentro das normas da lei de zoneamento, são consideradas área rural. É absolutamente inadmissível que uma área que está dentro do perímetro urbano ainda esteja, de acordo com a lei de zoneamento, dentro da natureza de ser uma área rural.
Augusto Nunes: Deputada, antes da pergunta do José Márcio, a senhora fez uma afirmação que provocou a curiosidade de várias telespectadoras. Elas repetem a pergunta da Susana Ribeiro, do Jardim Paulista, ela pergunta assim: “Se o Marlon Brando não faz seu tipo, quem é que faz?” [risos]. A senhora foi radical, poderia gostar do Marlon Brando, 53 anos.
Luiza Erundina: Não gosto do estilo dele, dos filmes dele. Eu acho muito, sabe, muito pouco realistas, né? Tem tantos atores que fazem meu estilo.
Ana Maria Tuhan: Cite um.
Luiza Erundina: Deixa ver, estou tão fora dessa... [risos]
Augusto Nunes: Ela não quer responder. José Márcio.
José Márcio: Deputada, a senhora, respondendo à Ana Maria disse que pretende governar com o partido, quer dizer, pretende governar com o PT. Eu lembro o seguinte: o PT, apesar das aparências de uma grande nuidade, internamente ele tem várias correntes, algumas quase antagônicas e que disputam o poder lá dentro e, às vezes, incomodam, brigam e coisas tais. Estes problemas já geraram a saída do Gilson Menezes, do partido, em Diadema [ex-prefeito da cidade] e da Maria Luiza lá em Fortaleza. Eu lhe pergunto o seguinte: aqui em São Paulo, quem vai mandar na prefeitura, senhora ou PT?
Luiza Erundina: O PT, através de suas instâncias de direção. Nós vamos ter fóruns permanentes e mecanismos de relação sistemática da administração com o partido capaz de administrar as divergências e encontrar saídas para os problemas que esta administração vai enfrentar. Então, eu, pelo menos, minha convivência com todos os grupos dentro do partido, não representou, em nenhum momento, um problema insolúvel ou capaz de gerar estes extremos que estão colocados nas outras duas prefeituras. Acho que não foi fatos de existirem grupos, de tendência, que criaram as divergências entre dentro do partido que geraram o conflito e a saída dos dois prefeitos.
Leonildo Barbosa: Se quem vai governar é PT e não é a senhora, então que sentido tem a previa que foi feita ontem? Tanto fazia ser o outro candidato.
Luiza Erundina: Não eu vou ter uma parcela de responsabilidade, evidente.
Luonildo Barbosa: Mas a senhora acabou dizer que é partido.
Luiza Erundina: Mas veja, o meu mandato, por exemplo, o meu mandato não é meu, é mandato do povo de São Paulo, eu como deputada, mas sem o partido eu não teria este mandato logo me coloca na no dever...
Leonildo Barbosa: [interrompendo] Sim, mas eu me refiro à disputa interna dentro do partido, se é o partido que vai mandar, essa disputa...
Luiza Erundina: [interrompendo] A disputa não se fez em que vai ou não vai mandar, a disputa se fez em termos de idéias, propostas dentro de um processo democrático que vitalizou e revigorou o partido. O partido hoje está revigorado. Se você tivesse ouvido o discurso do companheiro Plínio quando do ato de anúncios dos resultados de prévia, você diria que este processo foi, sabe, deu uma melhor condição ao partido, de unidade, de disponibilidade, de prontidão, de vontade coletiva de enfrentar, assim com muita determinação, os nossos inimigos externos. Então, eu não vejo contradição no fato de eu ter sido escolhida em relação a outro companheiro e isso não significa que eu tenha que ter uma ação determinante individualmente nesta administração. Claro que até a minha escolha significa o reconhecimento pelo partido, ou pela maioria do partido que se definiu pela candidatura, e também por aqueles companheiros que não votaram, não me escolheram no primeiro momento porque eles tinham outra avaliação. Não avaliação contrária a mim, mas das conjunturas e da tática mais correta para realizar essa tática. Eu tenho absoluta certeza, pela minha experiência neste partido, e estas prévias, que a escolha do meu nome vai dar uma condição de vivência partido administração como nunca se teve. Seja no partido ou seja em qualquer outra situação. Então, eu acho que nunca é demais democracia, democracia de fato é a saída, a condição para gente avançar politicamente, em qualquer nível em que se dê esta disputa política. Então, eu vejo com muito otimismo, com muita esperança o que vamos enfrentar daqui para frente. Até por conta desse processo interno que a gente viveu. Antes de vir pra cá, recebi um telefone do companheiro Lula, de Brasília, em que ele dizia assim: “Companheira, terminou a prévia, disputa interna, nós vamos trabalhar para você ser a prefeita mais votada não de São Paulo, mas do Brasil”. Então, o companheiro Lula, com esta vontade, essa determinação, e ele esteve com outro candidato. O companheiro Lula uma vez me falou uma coisa: “Se um dia houver só duas pessoas dentro desse partidos seremos você e eu”. . Tal é a confiança que ele tem no meu compromisso de construção desse partido. Eu não vi, na posição do companheiro Lula, na posição do companheiro Dirceu, na posição do companheiro Eduardo Suplicy, na posição de outros companheiros, que significasse uma rejeição, uma falta de confiança no meu desempenho na minha capacidade. Só que eles também reconhecem a minha disciplina partidária e, portanto eu vou governar com o meu partido. Acho que é o que dá condições e coloca de forma realista a possibilidade de hesito. Porque não acredito que seja consiga nada individualmente, mesmo que esta pessoa seja a mais bem dotada e de melhores condições.
Augusto Nunes: Deputada, por favor, eu estou sendo informado que nós estamos nos últimos segundos do programa, mas queria que a senhora respondesse sucintamente a uma última pergunta. A senhora recebeu, como haverá perguntas de todos os tipos e algumas observações contra e a favor, estas cartas todas aqui, estes recados todos dizem o seguinte: são pessoas insatisfeitas com as perguntas que nós fizemos. Eles perguntam a senhora o seguinte, resumidamente: O que a senhora pensa da imprensa de São Paulo? Para encerrar o programa.
Luiza Erundina: Olha, não dá para gente analisar a imprensa em geral. Eu acho que a gente tem que distinguir um ou outro veículo, até porque eu acredito que mesmo nos espaços institucionais, as presenças de pessoas comprometidas alteram a realidade desses espaços. Por exemplo, na minha experiência como funcionária pública municipal... Porque existem duas posições, a meu ver, igualmente falsas: é imaginar que não dá para fazer nada, então, vamos nos acomodar ou dá para fazer tudo. Então, nem voluntarismo nem determinismo extremados que não levam a saída. Então, eu acho que você tem um tipo de imprensa que a qualidade dela varia em função do nível de compromisso, dos agentes que atuam nesta instituição de imprensa. Então, eu não daria para generalizar: toda imprensa é ruim ou boa, ao contrário, eu acho que dentro de imprensa existem profissionais mais ou menos comprometidos com que interessa a maioria. Isso determina a qualidade dessa imprensa.
Extraído do site: www.rodaviva.fapesp.br
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