A
responsabilização dos torturadores é um dos pontos que eles querem
introduzir no texto que deve ir à votação, no próximo dia 18, no Senado
Por Lúcia Rodrigues
Uma
comissão formada por parentes de mortos e desaparecidos, ex-presas
políticas e ativistas de direitos humanos se reuniu, nesta sexta-feira,
7, em São Paulo, com o senador Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP), para
apresentar as objeções do coletivo ao projeto de lei, que cria a
Comissão da Verdade, aprovado na Câmara dos Deputados, no último dia 21.
O
projeto deve ser votado no plenário do Senado no próximo dia 18. Por
enquanto, o texto está parado na CCJ, a Comissão de Constituição e
Justiça, a principal da Casa.
O
senador Paulo Paim (PT-RS), que preside a Comissão de Direitos Humanos
da instituição, se antecipou à possibilidade de votação e convocou uma
audiência pública para o mesmo dia, às 9h, com o objetivo de debater o
assunto. Os ministros da Justiça, José Eduardo Martins Cardozo, e dos
Direitos Humanos, Maria do Rosário Nunes, foram convidados para a
reunião.
Os
ativistas procuraram Aloysio Nunes porque seu nome vem sendo ventilado
nos bastidores como o provável relator do projeto no Senado, embora ele
garanta que ainda não foi convidado para a função. “Posso vir a ser o
relator, mas ainda não sou. Eles não me dizem o que querem”, afirma o
senador tucano ao se referir aos membros do Executivo que negociam a
aprovação da Comissão da Verdade na Casa.
A
juíza Kenarik Boujikian Felippe, da Associação dos Juízes para a
Democracia, e a deputada federal Luiza Erundina (PSB-SP) acompanharam a
Comissão na conversa com Aloysio.
Kenarik
ressaltou a importância do resultado das investigações promovidas pela
Comissão da Verdade ser repassado ao Ministério Público. “Esse é o
trâmite legal para que os torturadores da ditadura possam ser
responsabilizados pelos crimes praticados”, explica a juíza. A inclusão
desse adendo no texto é uma das principais reivindicações dos ativistas
que querem alterar o projeto.
O
senador considera, no entanto, que o fato de o material recolhido pela
Comissão ser encaminhado ao Arquivo Público Nacional permite que o
Ministério Público busque no órgão as informações de que necessita para
mover processos contra esses torturadores. “Espero que vá tudo para a
internet”, afirma Aloysio.
Laura
Petit da Silva, que perdeu três irmãos assassinados pelas Forças
Armadas na Guerrilha do Araguaia, frisa que o Arquivo Nacional não tem
pessoal suficiente para lidar com o material que vai receber. “Precisa
de dotação.” A falta de autonomia financeira da Comissão da Verdade, que
será criada pelo projeto que está no Senado, é uma das críticas dos
ativistas que tentam modificar o texto.
A
escolha dos membros que vão integrar a Comissão também é motivo de
preocupação por parte dos militantes de direitos humanos. O artigo
sétimo do projeto dá brecha para que militares sejam indicados para a
Comissão. “A Dilma não é doida de fazer isso”, reage Aloysio, que na
juventude pertenceu a Ação Libertadora Nacional (ALN), a maior
organização política de combate à ditadura.
Mesmo
assim, a ex-guerrilheira do Araguaia Criméia Almeida, torturada aos
sete meses de gravidez pelo coronel do Exército e comandante do DOI-Codi
paulista Carlos Alberto Brilhante Ustra, prefere que o texto exclua
essa possibilidade e permita que a composição da Comissão da Verdade
seja debatida pela sociedade civil.
Até
o momento, o governo federal não recebeu nenhum representante de
entidades de familiares de mortos e desaparecidos, ex-presos políticos e
ativistas de direitos humanos para discutir as reivindicações.
A
militante do Partido dos Trabalhadores e ex-ativista da Ação de
Libertação Nacional Suzana Lisboa está inconformada com a atitude dos
presidentes Lula e Dilma Rousseff. “Vivi com muita tristeza esses anos.
Choro essa indiferença.”
Suzana
foi a primeira familiar a encontrar os restos mortais do marido, Luiz
Eurico Tejera Lisboa, assassinado sob tortura pela ditadura, em setembro
de 1972. Os ossos dele foram localizados no Cemitério de Perus, na
periferia paulistana, em 1979.
Rolo compressor
A
deputada Luiza Erundina aposta no esclarecimento da sociedade sobre os
crimes que foram cometidos pela ditadura militar. Ela acredita que a
pressão popular vai ajudar a Comissão da Verdade a trazer à tona o que
de fato aconteceu durante os Anos de Chumbo.
Mas
não é só a população que precisa ser esclarecida. O próprio senador
Aloysio, que é advogado e já foi procurador do Estado de São Paulo, se
surpreendeu ao ser informado pela comissão de que existe uma sentença
judicial transitado em julgado (quando não há mais nenhuma possibilidade
de se recorrer e o Estado tem de cumprir a sentença), que determina a
localização dos corpos e as circunstâncias em que ocorreram as mortes
dos guerrilheiros do Araguaia.
A
sentença da juíza Solange Salgado é de 2007, mas até agora o governo
federal não cumpriu a decisão judicial. Assim como fez com a sentença da
Corte Interamericana de Direitos Humanos da Organização de Estados
Americanos, a OEA, que condenou o Brasil, em dezembro do ano passado,
pelos crimes cometidos durante a ditadura.
“A
presidente (Dilma) é a chefe das Forças Armadas, não precisa ter tanto
medo dos militares”, alfineta a deputada Luiza Erundina.
Erundina
também reclama da pressão exercida pelos membros do Executivo sobre os
parlamentares para a aprovação do projeto. “O rolo compressor foi
terrível na Câmara”, recorda. Ela revela que não foi o deputado Edinho
Araújo (PMDB-SP), teoricamente o responsável pela produção do texto que
foi à votação, quem redigiu o documento. “Quem fez esse relatório foram os ministros, não foi o Edinho. Ele não tem nenhum acúmulo nessa área.”
Aliada
dos movimentos de defesa dos direitos humanos, a deputada quer que o
período a ser investigado pela Comissão da Verdade se limite à ditadura
militar, que se estendeu de 1964 a 1985, e não de 1946 a 1988, como quer
o governo. “Quarenta e dois anos é muito tempo. Dilui as
investigações.” A parlamentar também quer que o prazo de investigação
pelos membros da Comissão seja prorrogado dos atuais dois anos fixados
no texto.
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