Rede Brasil Atual - 27/10/2013 - Foto Agência Câmara
Brasília – Desde 2002, a deputada Luiza Erundina
(PSB-SP) preside a Frente Parlamentar pela Reforma Política, que tem a
intenção de reunir propostas sobre o tema e trabalhar pela tramitação de
mudanças na legislação político-partidária no país. Parlamentar
respeitada pelos pares e com largo currículo na prestação de serviços à
população, Erundina
protagonizou na semana passada um desabafo em plena reunião do grupo
técnico que aborda a reforma na Câmara, durante a discussão do
financiamento de campanhas.
Em suas queixas, diante de colegas que alternaram ora satisfação, ora
irritação com as suas palavras, ela questionou a produtividade e o
efeito prático dos trabalhos que estavam sendo realizados, cobrou maior
comprometimento por parte do presidente da Casa, Henrique Alves
(PMDB-RN) com a matéria e deixou claro que o Congresso precisa, de agora
em diante, apoiar o que querem as entidades da sociedade civil.
Nesta entrevista à RBA a deputada expõe os motivos que a levaram a
fazer a crítica contundente e seu desestímulo e descrença em relação à
real preocupação que a maioria dos parlamentares têm com a reforma
política. O que, destaca, considera ser resultado de um déficit de
democracia existente no Brasil.
“Estes anos todos, iludi a mim mesma e iludi a sociedade buscando
sugestões e pedindo a participação de todos na discussão de propostas
que tramitaram na Casa. Como nada aconteceu, só nos resta aderir ao
movimento popular, partir em busca das assinaturas e trabalhar, aqui
dentro, para que a mobilização por eleições limpas seja acolhida”,
destacou
Leia a entrevista a seguir:
O movimento pelas eleições limpas destaca que a sociedade precisa
se organizar pelas assinaturas populares para a proposta de reforma
política porque as iniciativas que estão sendo observadas neste sentido,
no Congresso Nacional, não funcionam. A senhora, esta semana, agiu como
uma espécie de porta-voz do movimento. Como deputada e alguém inserida
em todos os grupos que tratam da discussão, na Câmara, avalia a
situação?
Da mesma forma que eles. Acho que esse sentimento reflete a
desconsideração que o Congresso, principalmente esta Casa – a Câmara dos
Deputados – demonstra com a sociedade civil, com os cidadãos
brasileiros.
São 91 entidades defendendo um projeto pela reforma política, não é
pouca coisa. Mas infelizmente os parlamentares não valorizam a
democracia direta, a democracia participativa. Temos um dispositivo
constitucional que até hoje não foi regulamentado completamente, o
artigo 14, que prevê os mecanismos de democracia direta. Só que esses
mecanismos não são elencados de maneira prática, recorrente, como
acontece em outros países.
Por que a senhora acredita que isso aconteça, já que não se trata de um problema de hoje e sim de décadas?
No fundo é um poder autoritário, centralizador e que não corresponde à
nossa posição e ao que diz a Constituição em seu parágrafo 1º, que
coloca que todo poder emana do povo e em seu nome será exercido
indiretamente.
Existe um déficit de democracia no país e a forma como o Congresso se
coloca diretamente diante de uma demanda real e concreta de toda a
sociedade é prova disso. Tanto é verdade que, quando a sociedade
consegue superar os obstáculos e se organizar chegando já a 300 mil
assinaturas para formalizar uma proposta eles não querem essa proposta e
não dão a mínima.
Por quê? Para a maioria dos parlamentares não interessa a (Lei da)
Ficha Limpa, não interessa a eleição limpa, não interessa o
financiamento público controlado, transparente e com teto. Isso é uma
declaração muito evidente do distanciamento que existe entre a
instituição Congresso Nacional e, neste momento, a Câmara dos Deputados
em relação à sociedade.
Isso atenta contra a democracia, porque uma democracia equilibrada,
harmoniosa, embora com disputas, tem um mínimo de coincidência e
sintonia com a sociedade civil. Caso contrário, o Parlamento vai
representar a quem?
Faltam poucos dias para o grupo técnico de trabalho sobre a
reforma política entregar a conclusão dos trabalhos, mas a senhora disse
que se sente desestimulada. Esse desestímulo atinge diretamente o grupo
?
Não somente este grupo, mas também a desconsideração geral que existe
no Congresso para com o tema. Inclusive pelo fato do presidente da Casa
(deputado Henrique Eduardo Alves) que recebeu os movimentos sociais
dessa coalizão para conversar sobre a questão, ter se comprometido a
encaminhar a proposta, ter dito que ele pessoalmente iria para uma
audiência pública dentro do grupo, que a proposta de iniciativa popular
de coalizão pelas eleições limpas seria recepcionada e nada disso
aconteceu.
Sabemos também que existem outros "n" projetos na Casa tratando da
reforma política e sequer isso teve um tratamento destacado frente a um
compromisso público que o presidente da Câmara assumiu, numa audiência
pública, com cobertura da imprensa e tudo. É muito descaso.
Mas a senhora acha que poderá ser tirado algo como resultado deste grupo técnico, por menor que seja?
Nem sei dizer. É um faz-de-conta muito grande manter um grupo de
trabalho que sequer corresponde à representação proporcional das
bancadas. Trata-se de um grupo de trabalho, não uma comissão especial,
dentro das normas regimentais que devem ser seguidas quando se quer
produzir alguma proposta que tenha a representatividade dos órgãos
políticos da Casa.
Portanto, isso nos leva a não acreditar no resultado desse esforço. A
discussão, a meu ver, é insuficiente e leva a crer que corresponde a
mais uma tentativa frustrada de se protelar um debate que é tão
importante para a vida do país e leva a maior desprestígio e descrédito
na representatividade política brasileira.
As pesquisas estão aí e a cada vez que são realizadas comprovam o
desejo popular por uma reforma política. Não podemos ficar parados,
assistindo e achando que está tudo bem. Sem a reforma política não
sanaremos algumas questões fundamentais e estruturais para o Brasil.
Muita gente declarou, nesta última semana, que não acredita mais
numa mudança nas leis político-partidárias que não sejam por meio da
pressão popular. A senhora acha isso ou ainda há uma chance de contar
com os parlamentares favoráveis à ideia?
Tenho a mesma posição dos que declararam isso. Daqui da Câmara a
reforma política não vai sair nunca. Já participei de três comissões
especiais formais, regimentais, instaladas para tratar do assunto que
trabalharam anos, redigiram propostas que até foram aprovadas (com
exceção da última), mas não se chegou a um resultado final.
Fizemos viagens para discutir o tema no país inteiro em audiências
com a sociedade, geramos a expectativa perante a população e até nos
iludimos, também. Considero que eu mesma me iludi e iludi a sociedade,
porque muitos compareceram às reuniões, contribuíram com ideias e
participaram dos debates de forma entusiasmada e simplesmente não se dá
satisfação, não se aprova nada da comissão especial e nada segue para
plenário.
É lamentável! Agora tudo indica que acontecerá da mesma forma. É mais
uma quebra de confiança entre o poder que representa a sociedade e a
própria sociedade. Por isso existe esse fosso enorme, esse abismo
enorme. Isso não é coisa simples quando se trata de um regime
democrático, de um estado democrático de direito.
Que caminhos a senhora sugere para a solução do problema?
O do fortalecimento dessa mobilização popular. Desde que estou na
Câmara, em 2002, presido a Frente Parlamentar pela Reforma Política. São
várias entidades reunidas, já foi redigida a proposta e há até um
Projeto de Lei elaborado por eles. Temos agora que marcar, ao lado desse
movimento, presença nesta Casa para dizer de forma firme que queremos
que as coisas aconteçam e aconteçam da melhor forma.
No grupo técnico da reforma política que está encerrando os trabalhos
não se falou até agora em organização partidária, nem na lei que trata
da criação dos partidos políticos que são outros dois pontos importantes
para a reforma. O financiamento de campanha foi tocado de forma muito
genérica.
Fiquei aqui, participando dos trabalhos, como representante da
bancada feminina, mas nem mesmo a questão de gênero chegou a ser
discutida e considerada. Também não se discutiu a questão da votação em
lista, nada disso.
Sobre a votação em lista e o financiamento público, qual sua posição em relação a estes dois itens?
Acho que o financiamento público exclusivo de campanhas, embora
fundamental, só será eficiente se for aprovada também a votação em
lista. Mas a questão não é a dificuldade para votar o financiamento
público exclusivo em si e sim de como é o sistema de votações.
Até hoje, quando se trata de reforma política, os parlamentares só
cuidam de colocar tecidos novos como se fossem remendos, em cima de uma
velha lei e mais nada. Esses tecidos, em vez de melhorar, desagregam
mais ainda o tecido velho sem resolver o problema.
Há uma preocupação constante com o poder do empresariado e a
influência da iniciativa privada sobre o mandato dos parlamentares, daí a
dificuldade para acabar ou inibir o financiamento privado de campanhas.
O que a senhora avalia sobre isso?
Não tenho a menor dúvida de que o empresariado está com os olhos
abertos, tanto na Câmara como no Senado. Se você verificar as comissões
permanentes fica fácil perceber. É muito claro, basta entrar, por
exemplo, numa das reuniões da Comissão de Ciência e Tecnologia,
Comunicação e Informática da Câmara para ver como os deputados se
comportam. São só deputados que representam interesses da comunicação e
da mídia na questão das concessões para rádio e TV.
Isso se reproduz da mesma forma nas outras comissões. No processo de
indicação das mesas das comissões, por exemplo, normalmente os deputados
que querem e trabalham para ser integrantes de cada uma delas, são os
que estão atrelados a algum interesse das empresas que os bancaram, por
causa do financiamento privado que receberam para suas campanhas.
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