quarta-feira, 28 de novembro de 2012

Deputada Luiza Erundina concede entrevista à Revista Congresso em Foco

 Luiza Erundina – Uma “chata assumida”

   
Revista Congresso em Foco - Nº 04/Nov. 2012

Aos 78 anos, a deputada Luiza Erundina conserva a inquietude e o espírito contestador da juventude. “Meio mundo aqui tem horror a mim. Sou chata, eu sei. Mas se não for assim, não sou eu. É uma inquietação mobilizadora, porque acredito que é possível mudar”, conta. Erundina protagonizou mudanças importantes na política brasileira.

Em 1988, quando o PT ainda dava seus primeiros passos, a paraibana de Uiraúna surpreendeu ao se tornar a primeira mulher a conquistar a prefeitura da maior cidade da América do Sul. Até a sua eleição em São Paulo, mulher e poder não combinavam com Brasil.

Erundina deixou o PT em 1997, pondo fim a um desgaste iniciado quatro anos antes, quando aceitou o convite do então presidente Itamar Franco para integrar o governo federal. O partido fazia oposição a Itamar. A passagem pelo governo foi curta, mas as desavenças com o comando partidário, insuperáveis. Filiada ao PSB desde 1998, mantém-se independente, incomodada com a falta de propostas partidárias.

“Os partidos não representam mais compromissos políticos, visões da sociedade, não contribuem para o crescimento da sociedade. E não se pode dizer que há exceções”, reclama.
Em junho, Erundina voltou a causar surpresa ao recusar o convite para ser candidata a vice na chapa encabeçada por Fernando Haddad (PT) à prefeitura de São Paulo, Motivo da recusa: não engolia a aliança feita com o ex-prefeito paulistano e deputado federal Paulo Maluf (PP-SP), histórico adversário dos petistas na capital paulista.

Para ela, o apoio da sociedade civil é o principal antídoto contra o veneno em que se transformou a chamada governabilidade. No período em que comandou a maior cidade do país, teve o apoio de apenas três legendas na Câmara Municipal (PT, PCB, e PC do B). Sem maioria, buscou nos movimentos sociais e nas entidades sindicais e patronais instrumentos para pressionar os vereadores a aprovarem propostas de interesse de sua administração. Poderia ter feito mais, admite, mas manteve seus princípios.

Defensora de uma reforma política radical, Erundina considera remotas as chances de aprovação de mudanças que alterem substancialmente o cenário político. Mas não desiste. Reúne-se uma vez por mês, em São Paulo, com intelectuais, estudantes e representantes da sociedade civil para discutir os mais diversos assuntos, como política de direitos humanos.

“Luto contra esse sentimento de desesperança que me tira o foco da luta. É a expectativa que nos move. Temos de ter esperança”, defende.



Ser independente é determinante para se destacar no Congresso?

Luiza Erundina – Essa característica de independência reafirma o esvaziamento das propostas partidárias. Não é confortável nem qualidade que se deve recomendar uma atuação absolutamente independente em relação ao partido. Isso se dá porque os partidos estão esvaziados em suas propostas, compromissos e projetos políticos. Não se pode dizer que há exceções. O quadro partidário está exaurido, não apresenta mais nada. São meras siglas que servem de legenda para candidaturas. Por isso, a gente luta por uma reforma política que não se ocupe apenas de regras eleitorais, mas que cuide de um novo quadro partidário, uma nova concepção de sistema político.

Há espaço para essa discussão hoje?

Não existe discussão política. É cada um por si. A relação com as direções partidárias não é orgânica, de tal modo que as decisões seja fruto de debate político democrático, com maioria e minoria. Há um divórcio entre as instâncias partidárias e a sociedade. O partido deveria expressar pelo menos o segmento que ele imagina representar na sociedade. O país já tem 30 partidos, mas não há como definir a identidade de cada um deles.

Esse quadro embaralhou mais com a chegada do PT ao governo?

Não foi só isso. Houve superação do sistema político. Tem a ver com as mudanças que foram feitas no curso desses mais de 20 anos, após a Constituição de 1988. As siglas não representam segmentos da sociedade. Isso influencia a política de alianças, onde há absoluta falta de coerência e identidade entre as forças que se aliam. Isso deseduca o eleitor e o cidadão, que acha que está tudo bem, todos estão juntos agora e depois brigam da próxima eleição. A dinâmica partidária se reduz aos processos eleitorais, quando o partido é muito mais que isso.

Em que momento esse quadro se agravou?

Tem se agravado a cada legislatura. Não há fato isolado. São Processos. Há momentos de recuo e avanços. Mas a maioria dos parlamentares está preocupada com interesses locais e emendas. Quer coisa mais absurda que a política de alianças que existe no país?

A senhora recusou ser vice de Haddad por causa da aliança dele com o Maluf. Que lição tira desse episódio?

Não pense que foi uma coisa fácil sair impoluta. Gostaria que não tivesse acontecido aquilo para que minha presença na campanha pudesse significar uma contribuição real. Não acho indiferente ter aliança com força antagônica à nossa, personalizada em alguém que é oposto daquilo que a gente faz na política, no mesmo espaço, no mesmo meio, no mesmo momento. Tenho uma preocupação que deveria ser de toda militância: a educação política da sociedade. Os gestos têm significado. Sobretudo os de lideranças políticas. São pessoas públicas, são gestos públicos, para o bem e para o mal. Eu me preocupo com as novas gerações de políticos. Não basta ser jovem, se é filho do cacique e aprendeu com ele a forma de fazer política, de disputar o poder e representar o povo.

O que mais a incomoda na política hoje?

Os partidos foram piorando do ponto de vista ético, político e partidário com essa lógica da governabilidade. Não estou dizendo que se deve ganhar o governo e se esquecer a governabilidade. Mas esse não pode ser o único fator determinante. Tem a sociedade organizada. Governei São Paulo por quatro anos sem a maioria na Câmara. Não foi fácil, foi um inferno. Todo ano ameaçavam não  provar o orçamento. Para ter maioria, teria de ter feito concessões éticas, de princípios, submissão ao Legislativo. Poderia até ter realizado mais, quem sabe. No essencial, a gente conseguiu. A cada ano que eles ameaçavam não votar orçamento, eu fazia uma via-sacra com as centrais sindicais, os empresários, dizendo que eles tinham de me ajudar senão a cidade ficava sem orçamento. Governei com os conselhos e o orçamento participativo.

O Congresso também está perdendo sua importância?

O Congresso perdeu importância por falta de diálogo com a sociedade. A qualidade dos eleitos a cada legislatura piora. A renovação se dá apenas pela faixa de idade. Não existe harmonia entre os poderes. Faltam pensadores que estimulem o pensamento crítico. Quais os pensadores que influenciam hoje as lideranças políticas? Esse desalento, esse desencanto e esse descrédito têm razão de ser. Luto contra esse sentimento de desesperança que me tira o foco da luta. É a expectativa que nos move. Temos de ter esperança no sentido de esperançar, não de esperar. Não pode ser uma atitude passiva. A esperança, como ensinava Paulo Freire, é mobilizadora.

E de que maneira a senhora enfrenta o desânimo? Como não ser tragada por ele?

Você é fonte de poder como pensador. E a esperança e o entusiasmo são contagiantes. Você tem que irradiar isso. Você tem de se aliar em busca de um foco. A política é a ação de sujeitos livres em busca de um objetivo comum. Temos de acreditar e reagir. Estou sempre tomando iniciativa. Meio mundo aqui tem horror a mim. Sou chata, eu sei. Mas se não for assim, não sou eu. É uma inquietação mobilizadora, e não destrutiva, porque acredito que é possível mudar. Sonho tem de ser grande, senão não é sonho. Divido esse sonho com mais gente. Não quero transformar só São Paulo, só o Brasil, mas um projeto novo de humanidade.

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