publicado em 24 de setembro de 2013
Mariana Desidério e Vivian Fernandes, em Brasil de Fato SP
Luiza Erundina (PSB) é deputada federal por São Paulo desde 1999. Foi prefeita da capital paulista entre 1989 e 1992, quando deu início a um processo de melhoria no sistema de transporte público da cidade. Como deputada, apresentou uma proposta para transformar o transporte em direito social.
Em entrevista ao Brasil de Fato SP, Erundina fala sobre esse e outros temas que ganharam destaque após as recentes mobilizações nas ruas, como o distanciamento dos jovens em relação à política. “A política é a solução para os problemas da sociedade, não há outro instrumento. Essa é minha preocupação: que os jovens, ao recusar os políticos, recusam a política também”, afirma.
Na Câmara dos Deputados, Erundina integra as frentes parlamentares pela Reforma
Política com Participação Popular e pela Liberdade de Expressão e o Direito à Comunicação.
Leia a entrevista:
Desde o início das manifestações nas ruas, o transporte público tem sido muito debatido. Quais os principais entraves para melhorias?
É preciso ter um planejamento urbano que inclua o transporte e o trânsito. Isso tem que ser equacionado pelo planejamento da cidade, o Plano Diretor. A cidade deve ser concebida como um todo, um sistema dinâmico. Esse plano deve integrar não só o sistema municipal, mas o sistema metropolitano e o sistema estadual de transporte, pois os limites entre municípios da região metropolitana são artificiais.
E o preço da tarifa?
O custo do transporte coletivo recai quase 100% sobre o usuário do serviço. É o usuário individual que todo dia tem que dispor de dinheiro vivo para pagar várias viagens e tarifas no curso de um dia.
Qual seria a alternativa?
O transporte é um insumo para a manutenção da cidade. A produção nas indústrias, o comércio, a atividade financeira nos bancos, as escolas, hospitais e atividades culturais dependem da locomoção das pessoas para trabalhar ou usufruir. Não é justo que o custo recaia só sobre o usuário. Mesmo quando o poder público subsidia, está tirando de outros serviços, como saúde e educação. Ainda é o cidadão que paga impostos quem arca.
Como construir um sistema sem onerar ainda mais o cidadão?
O custo deve ser socializado pela cidade como um todo: as empresas, os bancos, os shoppings, os supermercados e as atividades culturais. É possível socializar os custos desse serviço por meio do Imposto Predial Territorial Urbano (IPTU), que é um imposto justo por ser sobre a propriedade de imóveis. Quem tem imóveis tem uma capacidade contributiva maior do que o trabalhador assalariado.
Imposto progressivo sobre as propriedades pode viabilizar a tarifa zero?
Quando estávamos na prefeitura, já havia esse problema. Gestamos um modelo de política tarifária em que o usuário individual não seria onerado individualmente. A ideia era ter uma alíquota de IPTU proporcionalmente maior para quem tivesse imóveis de mais valor. Continuariam isentos de tributos aqueles imóveis de até 60 m². Essa receita a mais do IPTU iria para um fundo municipal destinado a custear o transporte público. Se esse montante não fosse suficiente para cobrir todo o custo, o poder público subsidiaria o que faltasse.
O transporte foi o tema que iniciou as manifestações de junho. Qual a sua visão dessas mobilizações?
O maior protagonista desses movimentos foram as redes sociais. É um protagonista novo e deve se levado em conta como um ator novo. No Brasil, o movimento teve uma pauta bastante difusa. Claro que o detonador disso foi o reajuste da tarifa, mas não teve uma única agenda. Também não teve um comando, uma liderança, uma organização.
As manifestações continuaram, quais as perspectivas?
É imprevisível saber o que vai acontecer daqui para frente. Evidentemente, não vai morrer, porque houve conquistas. Portanto, o movimento vai voltar e vai voltar com um nível maior de organização, de politização e de clareza sobre sua pauta, o que é muito bom.
Como você vê a participação dos jovens nesse processo?
Os jovens são privilegiados de estarem vivendo nessa época, sendo os protagonistas.
Não somos nós. Nós já passamos. Os jovens têm o desígnio da história, que coloca para um determinado segmento da sociedade certas responsabilidades. Os jovens têm que ser sensíveis e abertos. Precisam politizar o debate.
Mas existe uma descrença com a política…
A política é a solução para os problemas da sociedade. Não há outro instrumento.
Minha preocupação é que os jovens, ao recusar os políticos, recusam a política também. É preciso separar: política é política, maus políticos ou más práticas políticas são outra coisa.
A reforma política está em discussão no Congresso Nacional. A senhora acha que o financiamento deve ser público?
Deve ser público exclusivo. Hoje, uma grande parte dele já é pública, só que o cidadão não se dá conta. O horário eleitoral em televisão e rádio é pago com isenção fiscal aos empresários de mídia, dinheiro tirado dos tributos, portanto é público.
Como seria o financiamento público exclusivo?
Haveria um fundo público para bancar as candidaturas. Haveria um grau de controle e um teto. Não pode ser como é hoje, sem nenhum controle. Financiamentos privados de campanha sempre têm uma contrapartida, a partir da atuação do parlamentar. Portanto, para você coibir o beneficio indevido de interesses privados, é preciso eliminar de uma vez por todas o financiamento privado.
Por que instituir um teto?
Traria uma igualdade de condições. Hoje as pessoas que não têm apoio financeiro de grandes grupos econômicos estão em desvantagem em suas campanhas. Por isso, temos super-representados aqueles que têm sustentação financeira desses grupos e sub-representados quem não dispõe desses recursos. Isso prejudica quem tem critério e não aceita certos tipos de ajuda financeira, porque sabe que tem contrapartida.
A senhora faz parte de uma frente parlamentar pelo direito à comunicação. Qual a importância dessa discussão atualmente?
A questão da democratização dos meios de comunicação está no contexto das discussões sobre reforma política e transparência no serviço público. A mídia é um poder extraordinário que hoje está concentrado na mão de poucos grupos. Defender e lutar pela democratização da comunicação é exatamente distribuir esse poder por mais gente, sobretudo para o cidadão, a cidadã, que são os detentores da propriedade desses meios.
Como fazer essa democratização?
As frequências eletromagnéticas de rádio e TV são um patrimônio da sociedade, que é administrado pelo Estado, que por sua vez outorga esse patrimônio a setores da sociedade. O que se pretende é que essas outorgas se deem de forma mais democrática, plural, transparente, igualitária, para você ter um bem público que seja de fato público.•
porLuiza Erundina (PSB) é deputada federal por São Paulo desde 1999. Foi prefeita da capital paulista entre 1989 e 1992, quando deu início a um processo de melhoria no sistema de transporte público da cidade. Como deputada, apresentou uma proposta para transformar o transporte em direito social.
Em entrevista ao Brasil de Fato SP, Erundina fala sobre esse e outros temas que ganharam destaque após as recentes mobilizações nas ruas, como o distanciamento dos jovens em relação à política. “A política é a solução para os problemas da sociedade, não há outro instrumento. Essa é minha preocupação: que os jovens, ao recusar os políticos, recusam a política também”, afirma.
Na Câmara dos Deputados, Erundina integra as frentes parlamentares pela Reforma
Política com Participação Popular e pela Liberdade de Expressão e o Direito à Comunicação.
Leia a entrevista:
Desde o início das manifestações nas ruas, o transporte público tem sido muito debatido. Quais os principais entraves para melhorias?
É preciso ter um planejamento urbano que inclua o transporte e o trânsito. Isso tem que ser equacionado pelo planejamento da cidade, o Plano Diretor. A cidade deve ser concebida como um todo, um sistema dinâmico. Esse plano deve integrar não só o sistema municipal, mas o sistema metropolitano e o sistema estadual de transporte, pois os limites entre municípios da região metropolitana são artificiais.
E o preço da tarifa?
O custo do transporte coletivo recai quase 100% sobre o usuário do serviço. É o usuário individual que todo dia tem que dispor de dinheiro vivo para pagar várias viagens e tarifas no curso de um dia.
Qual seria a alternativa?
O transporte é um insumo para a manutenção da cidade. A produção nas indústrias, o comércio, a atividade financeira nos bancos, as escolas, hospitais e atividades culturais dependem da locomoção das pessoas para trabalhar ou usufruir. Não é justo que o custo recaia só sobre o usuário. Mesmo quando o poder público subsidia, está tirando de outros serviços, como saúde e educação. Ainda é o cidadão que paga impostos quem arca.
Como construir um sistema sem onerar ainda mais o cidadão?
O custo deve ser socializado pela cidade como um todo: as empresas, os bancos, os shoppings, os supermercados e as atividades culturais. É possível socializar os custos desse serviço por meio do Imposto Predial Territorial Urbano (IPTU), que é um imposto justo por ser sobre a propriedade de imóveis. Quem tem imóveis tem uma capacidade contributiva maior do que o trabalhador assalariado.
Imposto progressivo sobre as propriedades pode viabilizar a tarifa zero?
Quando estávamos na prefeitura, já havia esse problema. Gestamos um modelo de política tarifária em que o usuário individual não seria onerado individualmente. A ideia era ter uma alíquota de IPTU proporcionalmente maior para quem tivesse imóveis de mais valor. Continuariam isentos de tributos aqueles imóveis de até 60 m². Essa receita a mais do IPTU iria para um fundo municipal destinado a custear o transporte público. Se esse montante não fosse suficiente para cobrir todo o custo, o poder público subsidiaria o que faltasse.
O transporte foi o tema que iniciou as manifestações de junho. Qual a sua visão dessas mobilizações?
O maior protagonista desses movimentos foram as redes sociais. É um protagonista novo e deve se levado em conta como um ator novo. No Brasil, o movimento teve uma pauta bastante difusa. Claro que o detonador disso foi o reajuste da tarifa, mas não teve uma única agenda. Também não teve um comando, uma liderança, uma organização.
As manifestações continuaram, quais as perspectivas?
É imprevisível saber o que vai acontecer daqui para frente. Evidentemente, não vai morrer, porque houve conquistas. Portanto, o movimento vai voltar e vai voltar com um nível maior de organização, de politização e de clareza sobre sua pauta, o que é muito bom.
Como você vê a participação dos jovens nesse processo?
Os jovens são privilegiados de estarem vivendo nessa época, sendo os protagonistas.
Não somos nós. Nós já passamos. Os jovens têm o desígnio da história, que coloca para um determinado segmento da sociedade certas responsabilidades. Os jovens têm que ser sensíveis e abertos. Precisam politizar o debate.
Mas existe uma descrença com a política…
A política é a solução para os problemas da sociedade. Não há outro instrumento.
Minha preocupação é que os jovens, ao recusar os políticos, recusam a política também. É preciso separar: política é política, maus políticos ou más práticas políticas são outra coisa.
A reforma política está em discussão no Congresso Nacional. A senhora acha que o financiamento deve ser público?
Deve ser público exclusivo. Hoje, uma grande parte dele já é pública, só que o cidadão não se dá conta. O horário eleitoral em televisão e rádio é pago com isenção fiscal aos empresários de mídia, dinheiro tirado dos tributos, portanto é público.
Como seria o financiamento público exclusivo?
Haveria um fundo público para bancar as candidaturas. Haveria um grau de controle e um teto. Não pode ser como é hoje, sem nenhum controle. Financiamentos privados de campanha sempre têm uma contrapartida, a partir da atuação do parlamentar. Portanto, para você coibir o beneficio indevido de interesses privados, é preciso eliminar de uma vez por todas o financiamento privado.
Por que instituir um teto?
Traria uma igualdade de condições. Hoje as pessoas que não têm apoio financeiro de grandes grupos econômicos estão em desvantagem em suas campanhas. Por isso, temos super-representados aqueles que têm sustentação financeira desses grupos e sub-representados quem não dispõe desses recursos. Isso prejudica quem tem critério e não aceita certos tipos de ajuda financeira, porque sabe que tem contrapartida.
A senhora faz parte de uma frente parlamentar pelo direito à comunicação. Qual a importância dessa discussão atualmente?
A questão da democratização dos meios de comunicação está no contexto das discussões sobre reforma política e transparência no serviço público. A mídia é um poder extraordinário que hoje está concentrado na mão de poucos grupos. Defender e lutar pela democratização da comunicação é exatamente distribuir esse poder por mais gente, sobretudo para o cidadão, a cidadã, que são os detentores da propriedade desses meios.
Como fazer essa democratização?
As frequências eletromagnéticas de rádio e TV são um patrimônio da sociedade, que é administrado pelo Estado, que por sua vez outorga esse patrimônio a setores da sociedade. O que se pretende é que essas outorgas se deem de forma mais democrática, plural, transparente, igualitária, para você ter um bem público que seja de fato público.•
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