03/09/2013 - Folha de SP
ROBERTO AMARAL, 73, é vice-presidente do PSB e LUIZA ERUNDINA, 78, é deputada federal pelo PSB
O ensaio "Socialismo e Democracia", publicado pela Fundação João
Mangabeira, fazendo o balanço da última década, antecipou questões hoje
postas pelas ruas, ao tratar da necessidade de fortalecer os mecanismos
de participação popular na definição dos rumos da nação.
Parte foi escrita antes de 2002 e da vitória da coalizão de
centro-esquerda que levou Lula à Presidência e, posteriormente, à
eleição de Dilma Rousseff. O apoio a Lula, fenômeno político-eleitoral
sem dúvida tão relevante quanto a saga varguista, não significou
necessariamente a consagração de nossas políticas, embora represente uma
vitória das esquerdas brasileiras.
Esta década demonstrou as limitações insuperáveis do modelo neoliberal
puro, de um lado. De outro, a possibilidade de avanços sociais nos
países periféricos, mesmo nos quadros da desfavorável correlação de
forças internacional.
Mas é igualmente um fato político, neste caso lamentável, que as forças
da esquerda não tenham sabido capitalizar esses avanços, renunciando a
questões importantes do debate ideológico, como a defesa da democracia
participativa --a soberania nas mãos do povo e por ele legitimada.
Democracia, em si, é bem inquestionável; mas a democracia representativa
não é a sua única e melhor expressão.
As ruas revelaram a justa insatisfação com a degradação política da vida
brasileira. A mobilização, não a arruaça, terminou por concretizar a
obra renunciada pelos partidos: inserir na pauta política as reformas
pelas quais o país clama desde os tempos das "reformas de base" do
governo Goulart. Especialmente, uma reforma política que avance da
falsidade representativa de hoje para a participação direta da cidadania
e que assegure um sistema de representação verdadeiro, a relação mais
genuína e fluente entre eleitos e eleitores, entre outras iniciativas.
A democracia representativa está em crise e, com ela, o mandato
eleitoral, que, carente de legitimidade, cada vez menos representa a
vontade do eleitor. A crise do sistema representativo no Brasil se deve
exatamente ao fato de que a soberania popular tornou-se mero enunciado
constitucional e, na prática, seu exercício não se efetiva, visto que os
mecanismos de democracia direta e participativa, previstos no art. 14
da Constituição Federal --plebiscito, referendo e iniciativa popular--,
nem sequer foram regulamentados até hoje. A representação política está
em crise porque os partidos romperam o compromisso com as bases
eleitorais e perderam a confiança da militância.
As assembleias, nominalmente eleitas pelo povo, substituem a vontade dos
representados pela dos representantes. Crescentemente, vem sendo
anulada a separação de poderes e cada vez mais os Executivos, quando não
o sobranceiro Judiciário, atuam como poder legiferante e controlam a
pauta do Congresso. Nesse horizonte, a reforma política impõe-se, mas
não pode ser operada como simples artifício jurídico nem pode estar
atrelada a interesses momentâneos.
As circunstâncias pedem que avancemos, estimulando a autocrítica e o
debate na esquerda. Que tarefa nos caberia hoje após o que vimos nas
ruas? Certamente, a compreensão de que não adiantará nem sequer falar em
reformas se, antes, o Brasil e seus dirigentes políticos não se unirem
em torno da construção de um projeto nacional que resulte do debate e da
participação de todo o nosso povo. Diria Darcy Ribeiro que este é um
bom momento para "passar o país a limpo". É disso que as ruas se
ressentem.
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