sexta-feira, 30 de setembro de 2011

Sem rever Anistia, Comissão de Verdade é inócua, diz deputada



José Cruz/ABr
José Cruz/ABr / Erundina: crítica à Comissão da Verdade.Erundina: crítica à Comissão da Verdade.
A deputada Luiza Erundina (PSB) teve um projeto rejeitado na Câmara nesta semana. A ideia dela era rever a Lei da Anistia, de 1979.
Erundina concedeu entrevista por telefone para o blog. Leia abaixo:
Por que a senhora quer rever a Lei da Anistia?
Porque a lei de 1979 estende o benefício da anistia a quem cometeu crimes contra os direitos humanos, crimes de lesa-humanidade, como tortura, mortes, desaparecimentos forçados. A OAB encaminhou uma ação ao Supremo Tribunal Federal (STF) em 2010 querendo que o tribunal se pronunciasse sobre a interpretação da lei tendo isso em vista.
Essa ação foi em razão de uma decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos da OEA. E o Supremo decidiu manter a lei nos termos em que ela foi aprovada em 1979, alegando que ela foi aprovada pelo Congresso na ocasião como alvo de um amplo entendimento.
E esse acordo não existiu?
Que teve acordo teve, senão não teria sido aprovada. Mas foi um acordo entre partes em situação absolutamente desigual. Os militares ainda estavam com o controle do poder do Estado. E por outro lado ainda estavam sendo dados os primeiros passos pela redemocratização do país. Portanto, foi uma conjuntura absolutamente desfavorável para que se aprovasse uma lei de anistia que fosse como em outros países. No mundo inteiro se estabelece que os que cometeram crimes de lesa-humanidade em nome do Estado não podem ser anistiados.
Mantida essa interpretação da lei de 1979, com certeza a Comissão da Verdade, que também é limitada, nos termos em que foi aprovada, não terá condições de fazer Justiça. Não há punição, porque já foram anistiados. E que interesse teriam de ir a essa comissão para depor se já foram anistiados? Então, torna essa comissão inócua.
A ideia do seu projeto era mudar isso?
O relator do caso no STF, o ministro Eros Grau, em seu parecer, rejeitando a arguição da OAB, disse que tinha sido uma lei aprovada pelo Congresso. Aí eu entendi que se o Congresso pôde aprovar aquela lei, também teria a prerrogativa hoje de modificar essa lei.
Hoje, 32 anos depois, as condições nos recomendam e nos auitorizam a rever essa posição, pela evolução do processo democrático, pelo quanto a sociedade já avançou em seus marcos institucionais. E aí eu apresentei este ano um projeto de lei dando uma interpretação autêntica à Lei de Anistia, que era exatamente prevendo que os que cometeram crimes de lesa-humanide fossem retirados da Anistia.
Eu apresentei esse projeto no início do ano. Teria que ter sido encaminhado à CCJ. Mas aí a Comissão de Relações Exteriores e Segurança Nacional avocou para si se manifestar e apreciar o projeto antes de ir para a CCJ. E foi o que fez, trouxe para si. E o relator, deputado Hugo Napoleão, que nunca teve compromisso com a democracia, muito pelo contrário, deu parecer pela rejeição.
E para reverter esse quadro pedimos adiamento por cinco sessões. A duras penas, conseguimos. O deputado Ivan Valente apresentou um voto em separado. E ontem [quarta] na reunião foi aprovado simbolicamente. E o presidente sequer acolheu o requerimento do deputado Ivan Valente para que houvesse votação nominal. O fato é que o presidente não cumpriu o regimento.

A senhora vai insistir no projeto?

O deputado Ivan Valente vai mover uma ação questionando a validade do resultado, porque o regimento da Casa foi ferido por não ter permitido o voto nominal, que é uma prerrogativa do deputado.
Mas sem apoio do governo é possível a aprovação?
Não tenho ilusões. Mas só que a gente não pode deixar as coisas assim, baratas. Por isso que a gente queria votação nominal. Provavelmente um ou outro sairia para não ficar registrado seu voto. Mas não ia mudar o resultado. Mas as coisas não podem ser feitas dessa forma. Uma matéria dessa importância.
Eu não sei como é que a corte internacional vai reagir a isso. O prazo que a corte deu na sua sentença condenatória pedindo providências termina agora no final de dezembro. A legislação sobre direitos humanos é internacional e o Brasil subscreveu essas convenções.
A senhora não acredita na Comissão da Verdade?
Outros países aprovaram suas comissões da verdade. E essa comissão que foi aprovada aqui não vai levar à verdade, quanto mais fazer justiça. Porque o projeto que foi aprovado aqui e vai ser votado no Senado tem um período de 42 anos [de 1946 a 1988]. E o prazo para apuração é de dois anos. Em outros países foi muito maior. São sete integrantes para fazer esse trabalho em todo o país sem sequer ter suplentes.
Não é uma comissão autônoma, é ligada à Casa Civil. Não é soberana. Admite inclusive a participação de militares na comissão. É um absurdo. Os familiares dos desaparecidos, mortos, ou os resistentes, que não são muitos, estão morrendo, até abrem mão de ter um representante, desde que eles sejam neutros.
E por outro lado, uma lei que já anistiou aqueles que a comissão vai revelar... É uma burla, uma farsa. A comissão não prevê justiça.
A proposta é fazer uma narrativa dos fatos...
Uma narrativa dos fatos, apenas. E muito já se narrou. A Comissão Nacional de Direitos Humanos da gestão anterior já publicou três livros com informações sobre as vítimas da ditadura. E esses dados foram buscados com os familiares das próprias vítimas. Já houve o projeto Tortura Nunca Mais. Eu não saberia dizer o quanto se acrescentaria a isso a não ser apontar responsáveis para efeito de Justiça. Mas se essas pessoas já foram anistiadas, qual é o efeito? E é um vexame para a imagem do país lá fora em relação à questão dos direitos humanos.
*Publicado no Jornal Gazeta do povo - Blog Caixa Zero - 30/09/2011 http://www.gazetadopovo.com.br/blog/caixazero

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