segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

Comissão da Verdade


Artigo publicado no AE Broadcast [Grupo Estado] em 02/12

Em ato solene, no dia 18 último, no Palácio do Planalto, em Brasília (DF), a presidente da República, Dilma Roussef, sancionou a lei que cria a Comissão Nacional da Verdade aprovada pelo Congresso Nacional, nos termos em que queria o governo e fora acordado com as Forças Armadas que continuam a monitorar os Poderes da República.
Mesmo limitada em suas pretensões, a criação da Comissão da Verdade deixou os comandantes militares contrariados, como transpareceu durante solenidade de sanção da lei, quando, para não constrangê-los, negaram a palavra a uma representante dos familiares presentes.

A lei aprovada também desagradou aos familiares das vítimas da ditadura e organizações de direitos humanos que tiveram suas propostas de alteração do projeto rejeitadas durante sua discussão, votação e aprovação na Câmara dos Deputados e confirmada, na íntegra, pelo Senado Federal. Reivindicavam a modificação de pontos que, avaliam, poderão comprometer os resultados esperados de uma autêntica Comissão da Verdade. Destacam: o longo período a ser investigado (1946-1985); dois anos apenas de duração; com somente sete membros; de exclusiva escolha da Presidente da República, e poderá ter a participação de militar; e sem autonomia financeira.

Criticam, sobretudo, o fato da Comissão não ter o poder de levar à justiça os que cometeram crimes de lesa humanidade, em razão de que a Lei da Anistia de 1979, ratificada em 2010 pelo Supremo Tribunal Federal (STF), beneficia e protege os que, em nome do Estado, torturaram, assassinaram e desapareceram com opositores do regime.

Coincidentemente, no mesmo dia em que a Lei foi aprovada, no Senado Federal, a Justiça na Argentina condenou 18 militares (alguns de alta patente) por crimes de graves violações aos direitos humanos cometidos durante a ditadura militar naquele país. Também na mesma data o parlamento do Uruguai aprovou uma lei que torna imprescritíveis os crimes contra a humanidade praticados nos anos do regime ditatorial no país. Esses fatos demonstraram que o Brasil, em termos de direitos humanos, anda na contramão da história.  

Em 2010, a Corte Interamericana de Direitos Humanos (OEA), ao julgar o caso da guerrilha do Araguaia, decidiu pela “incompatibilidade das anistias, relativas a graves violações de direitos humanos, com o direito internacional”, ou seja, a Lei brasileira da Anistia, de 1979, afetou o dever do Estado de investigar e punir os responsáveis por esses crimes. 

Face a essa decisão, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) solicitou ao Supremo Tribunal Federal (STF) em 2001, que definisse se o Brasil deve ou não cumprir a decisão da Corte quanto à Lei da Anistia e questionava se a lei de fato anistia agentes do Estado que cometeram crimes de lesa humanidade durante o regime militar. O STF decidiu manter a interpretação atual da Lei 6.683 e impedir que os responsáveis por esses crimes sejam processados, julgados e punidos.

O relator do processo deu parecer contrário à revisão da lei de Anistia, alegando que a mesma teria sido “amplamente negociada”. Convém lembrar, no entanto, as condições em que tal acordo se deu. Os militares, embora politicamente derrotados, mantinham o controle do poder e a sociedade civil dava os primeiros passos na redemocratização do país.

Como deputada federal e entendendo a premência da revisão da Lei da Anistia para que os responsáveis pelos crimes da ditadura militar não fiquem impunes, apresentei Projeto de Lei que dá interpretação autêntica ao que dispõe a Lei 6.683/1979. O mesmo foi rejeitado pela Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional da Câmara dos Deputados, cumprindo ordens expressas do Planalto, e aguarda votação na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania onde, certamente, funcionará o rolo compressor do governo para que também ali seja rejeitado.

Após longa e penosa espera dos que lutam para que a verdade histórica sobre os crimes da ditadura no Brasil seja revelada e os responsáveis punidos, como outros países o fizeram, é frustrante o que se conseguiu até agora e, pior, não se tem grande expectativa quanto aos resultados da Comissão da Verdade a ser instalada, pois, mesmo se vier a identificar os criminosos, não terá como puni-los por já estarem anistiados, a menos que se aprove o projeto de lei que dá nova interpretação à Lei da Anistia. 

Chegou, enfim, a hora do Brasil passar a limpo o seu passado recente; corrigir os rumos da sua história e fazer justiça aos que pagaram com exílio, tortura, morte e desaparecimentos forçados a democracia que temos hoje.

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