segunda-feira, 30 de setembro de 2013

O Exército perde a batalha

Carta Capital - 28/09/2013

Grupo protesta na segunda-feira 23 pela reabertura dos arquivos da ditadura militar durante visita dos integrantes da Comissão Estadual da Verdade do Rio de Janeiro ao 1º Batalhão de Polícia do Exército, na que abrigou o DOI-Codi
Passados quase 50 anos do golpe de 1964, 21 dos quais sob uma ditadura que torturou e matou presos políticos nos casarões assombrados e nos porões dos quartéis, as Forças Armadas brasileiras, notadamente o Exército, têm se deslocado com frequência para uma rota de colisão com as regras democráticas. Os generais, coronéis, oficiais e suboficiais reencarnam seus antecessores com o mesmo espírito. Ou seja, como se ainda tivessem o poder de executar regras inscritas nas cartilhas autoritárias.
Um exemplo dessa situação descabida repetiu-se na segunda-feira 23, quando a Comissão Estadual da Verdade (RJ), presidida pelo advogado Wadih Damous, além de parlamentares, foi conhecer o prédio da Rua Barão de Mesquita, no bairro da Tijuca, na zona norte da cidade, tristemente famoso por ter sido sede do Destacamento de Operações de Informações – Centro de Operações de Defesa Interna, mais conhecidos como DOI-Codi, sigla do mais temido órgão de repressão da ditadura.
O diálogo travado entre a deputada Luiza Erundina e o coronel Luciano Simões, comandante da Polícia do Exército (PE), fala mais do que as teorias sobre o choque entre uma democracia parcialmente resgatada e uma ditadura parcialmente insepulta.
Simões pôs-se a falar e a enaltecer a história da PE. Os visitantes ouviam calados por dever de ofício. A deputada Erundina, no entanto, notou que o militar, embalado pela narrativa pretensamente patriótica, passou a borracha na tragédia vivida dentro daquele quartel durante os anos 1970, apogeu da ditadura. A história não faz sentido com supressão de passagens de alguns episódios. Foi mais ou menos o que ela disse para o narrador fardado. Em resposta, ouviu uma observação do coronel Simões: “Eu não quero politicar”.

A parlamentar, autora de um projeto malsucedido, que punha fim à Lei da Anistia, retrucou: “Mas eu quero politizar”. Naquelas circunstâncias, houvesse ou não diálogos ríspidos, nada poderia melhorar o constrangimento do ambiente. Nem mesmo com a fidalguia protocolar de um convidativo cafezinho oferecido aos visitantes.
O mal-estar daquele dia era a extensão de situações semelhantes iniciadas no gabinete de Celso Amorim, ministro da Defesa, onde o general Enzo Peri, comandante do Exército, reuniu-se com civis para decidir se seria “permitida” a entrada de um grupo de parlamentares e advogados na ex-sede do DOI-Codi.
Peri foi apanhado de surpresa quando os parlamentares da Subcomissão de Direitos Humanos do Senado, como alternativa, anunciaram que levariam ao plenário o requerimento com o pedido oficial de visita. O general propôs formular um convite. Isso resultou, no entanto, em arrastada troca de comunicações sobre a lista de convidados. O Exército tentou vetar a presença de Erundina. O veto foi derrubado pelos parlamentares.
O objetivo da visita era e ainda é espinhoso. Transformar o local em centro de memória sobre a ditadura. Uma proposta que o general Peri chamou de “provocação barata”. Pelos parâmetros da caserna, talvez seja. Mas já não seria hora de alterar o conteúdo e a perspectiva de ensino nas escolas militares?

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